DORSAL ATLÂNTICA: “Ousar é o meu combustível” – Páginas Psicodélicas com Carlos Lopes!

Que 2022 ficará marcado na história do Brasil não temos dúvidas, resta saber se será o ano do início da reconstrução ou o ano que seguiremos em destruição do país. Culturalmente falando, 2022 já é o ano em que o rock brasileiro recebeu a volta aos palcos da banda que segue sendo uma das mais importantes do heavy nacional. Falamos da Dorsal Atlântica, que 24 anos depois voltou aos palcos com shows no Rio de Janeiro e em São Bernardo dos Campos/SP. Por conta disso, fizemos um entrevistão com Carlos Lopes, que falou de financiamento coletivo, a formação atual da banda, o uso da guitarra baiana, os shows, da participação no polêmico Festival MOA e, claro, de rock e política. Afinal, como não falar desses temas com um músico que sempre levou a política ao debate na cena rock? Como é tradição nas páginas psicodélicas da Rock Press, a entrevista contou com participações especiais de fãs, músicos e formadores de opinião, como Maila-Kaarina (filme A Heavy Metal Civilization), Wilfred Gadêlha (filme Pesado), Rafael Cabral (banda Cine-Sinistro), Paulo Sisinno (Fluminense-FM e Revista Metal), Jayme Catarro (banda Delinquentes), Cristiano Passos (banda Sengaya). De bônus, as resenhas dos shows no Rio e em São Paulo. Se liga nas Páginas Psicodélicas com Carlos Lopes.

Páginas Psicodélicas com CARLOS LOPES – DORSAL ATLÂNTICA!
ENTREVISTA: Michael Meneses
TEXTOS: Dudu Martins (RJ) e Cadu Ribeiro (SP) + Michael Meneses
FOTOS: Michael Meneses (RJ) + Cadu Ribeiro (SP) + Divulgação

Lembro muito bem quando o amigo e produtor cultural Luciano Felix (pai do jovem Carlos Vândalo, uma das pessoas que foram homenageadas com apelido artístico do Carlos Lopes nos anos 1980), me passou um link do vídeo da campanha de financiamento coletivo do álbum 2012. Faziam alguns minutos que dava início aquela que foi a primeira campanha de financiamento coletivo promovida pela banda, e que deu origem a outras, além de inspirar outros artistas e bandas a promoverem essa forma tão democrática e justa de produzir arte. Passados 10 anos do álbum “2012”, segundo o próprio Carlos era a hora de agradecer ao público que financiou essas campanhas e com isso a volta das bandas aos palcos.

Porém, muita coisa aconteceu nos últimos 10 anos. Os trabalhos, os discos da Dorsal, a política brasileira, Rock in Rio, cena underground, Rio de Janeiro, Brasília… tudo isso é certeza de um bom papo com o Carlos Lopes. E outra coisa, hoje é dia 28 de agosto de 2022 e, coincidentemente, é a data em que o músico, jornalista e artista plástico completa 60 anos. Logo, essa é a primeira entrevista realizada com o sessentão Carlos Lopes. Que seja dada a partida das Páginas Psicodélicas com Carlos Lopes e Dorsal Atlântica.

Dorsal 2022- FOTO: Billy Albuquerque/Coletivo Rock ABC

1 – MICHAEL MENESES/ROCK PRESS – Passados mais de 20 anos, a Dorsal Atlântica voltou aos palcos, realizando apresentações no Rio de Janeiro e em São Bernardo/SP o que motivou essa volta? Por anos você recusou shows com a banda e já não tocava ao vivo desde 2008, época do Mustang e do Usina.
DORSAL ATLÂNTICA/CARLOS LOPES – O responsável por esse retorno foi o baterista Braulio Drumond, que tocou durante anos no Mustang. Ele me ligou e apresentou uma proposta de trabalho profissional, que os técnicos, músicos e roadies seriam pagos. Refleti sobre o assunto e primeiro gravamos o Pandemia, em novembro de 2020, antes mesmo de aceitar tocar ao vivo em fevereiro de 2022. Cedi, porque vi a seriedade da proposta, além do que estamos comemorando dez anos de campanhas financiadas, eu 60 anos de idade e meu filho dez. Acreditei que fosse a hora, mesmo que para encerrar esse enorme ciclo de 40 anos e agradecer a todos pelo apoio e carinho.

2 – ROCK PRESS – Nós dois primeiros shows da banda, o set list focou no material dos discos lançados graças aos financiamentos coletivos e alguns clássicos dos anos 1980. Os sons da década de 1990 não entraram nos shows. Haverá espaço para elas ou elas ficaram em seus respectivos álbuns e na história?
CARLOS LOPES – Realmente parece curioso não tocarmos nada dos anos 1990, mas esse material não cabe em um set list de uma hora e meia que prioriza os 4 últimos trabalhos lançados de 2012 até hoje. Cada músico vive em uma cidade diferente. Só nos encontramos nos shows e para ampliar o set list precisaríamos de tempo e verba para ensaios, hotéis e passagens aéreas. E por enquanto não é possível. É dar tempo ao tempo.

3 – ROCK PRESS – O show da volta no Circo Voador foi dividindo o palco com o Sepultura. Como bem lembrado pelo Andreas Kisser na ocasião, você “apadrinhou” a entrada dele no Sepultura. Além disso, o Max Cavalera sempre diz que sem Dorsal Atlântica não existiria Sepultura. O Max e Igor Cavalera estiveram no Brasil para alguns shows. Você e o Max já conversaram sobre a volta da Dorsal aos palcos?
CARLOS LOPES – Pelo menos para mim, não há nada à toa nesta vida. Em parte, é como se você já soubesse ou antevesse o que pode acontecer. Por isso, quando recebi o convite para tocar com o Sepultura, no primeiro show deles e o nosso também, não recusei. Mas há todo um aspecto inconsciente, invisível. Nesse primeiro show no Rio, discursei sobre a Rússia, e duas semanas depois os russos invadiram a Ucrânia. Tão logo o Sepultura voltou a tocar, infelizmente a esposa do Andreas faleceu. Eu fiquei muito triste e nem sei o porquê, mas me senti culpado. Parece babaquice, mas foi como me senti. Andreas é um cara forte, voltou logo aos palcos. Eu fiquei mais de 5 anos de luto por causa da passagem de minha mãe…. Há tantas ligações estranhas. Sobre os Cavalera, a última vez que conversei com o Max, curiosamente foi como jornalista da Rock Press na década de 2000. O entrevistei por telefone por causa de um lançamento do Soulfly e como as respostas estavam um pouco burocráticas, interrompi e disse: “Sabe quem tá te entrevistando? É o Carlos. Que tal mudar o rumo dessa prosa para respostas menos convencionais? ”. Aí, ele se soltou e inclusive sugeri que ele gravasse um disco de reggae, estilo que ele tanto gosta. Mas entendo que é difícil, as gravadoras são uma bosta mesmo, o cara é do metal e eles só gravam se for metal. E ainda falam em underground…. Ah, tá… E a última vez que encontrei o Igor foi em São Paulo também na década de 2000. Ele estava na rua com um boné escondendo o rosto por causa do assédio e falei: “Irmão, não esconda o rosto dos amigos!” Ele ergueu o rosto, sorriu e conversamos um pouco.

4 – ROCK PRESS – Qual o perfil do seu público nestes shows? Qual comparação pode fazer em relação a outras gerações de fãs da Dorsal?
CARLOS LOPES –
A maioria do público nunca havia visto a banda ao vivo. É uma outra experiência e vivência para todos nós. Vi gente chorando. Tudo é novo. Tudo mudou e é importante que mude. A Dorsal que existe é a de hoje, não visto tachas e nem tenho mais 20 anos, mas mantenho a coerência e a ideologia. E pelo menos, para mim é importante mostrar a diferença e expor a minha personalidade, para mostrar e provar que tudo pode ser diferente, que tudo poderia ser diferente. A linha “evolutiva” brasileira que propus desde quando fundei a banda, não foi aceita ou seguida pela maioria das bandas e público, que se submeteram ao colonialismo. Cada um segue o que acredita, simples.

5 – ROCK PRESS – Vocês vão tocar no MOA 2022 (Maranhão Open Air), em novembro. A realização desse festival vem gerando um misto de amor e ódio (especialmente ódio) pelo público. Contudo, será a volta da banda ao nordeste uma região do país que muito respeita a Dorsal. O que o público do Nordeste, norte e Brasil podem esperar desse show e qual seu ponto de vista sobre o Festival?
CARLOS LOPES – O MOA realmente nos contratou para fecharmos a última noite do festival e a imprensa tem me procurado bastante sobre essa questão. Relembrarei a todos sobre o que houve: antes mesmo de gravarmos o 2012, a produção do MOA me procurou para fechar a última noite do festival, tendo como abertura as bandas Exodus e Anthrax, mas não queriam nos pagar. Jamais voltaria sem que os músicos e técnicos recebessem, jamais voltaria sem estrutura. Não sou menino rico que brinca de underground. Disse não, mas percebi que era a hora de talvez retornar com a banda, desde que em novas condições, desde que fosse ainda mais político (pois os tempos eram outros e obviamente estávamos em um processo golpista desde o mensalão). Como os selos não queriam mais nos “bancar” por não sermos comerciais, precisava de uma nova forma de financiamento. A dona de uma agência de publicidade comentou comigo sobre o crowdfunding, uma grande novidade em 2012. Como já havia tido apoio público em 2007 com 35 mil assinaturas para tocarmos no festival Monsters of Rock, enveredei pelo crowdfunding e deu muito certo.

6 – ROCK PRESS – Falando em Nordeste a banda ganhou um novo disco tributo, dessa vez com bandas 100% nordestinas. Como desenrolou essa produção? E o que você acha que desperta tanto carinho e respeito pela Dorsal no Nordeste?
CARLOS LOPES – O tributo Resistiremos, e o segundo tributo vindo do Ceará é uma honra tamanha existencialmente falando, minha mãe nasceu em Olinda. E filosoficamente, o Ceará foi o primeiro estado a abolir a escravidão, em seguida o Maranhão. Tenho sangue nordestino e talvez isso tenha a ver com o respeito que sempre dediquei às pessoas desde os anos 1980, pois as bandas só queriam saber de Rio, São Paulo e daí exterior. A cabeça é essa até hoje, muito colonizada e muitos brasileiros são racistas e odeiam o Brasil. E dessas pessoas eu quero distância, nem as considero brasileiras.

Formação do álbum Pandemia!

7 – ROCK PRESS – Seu irmão, Cláudio Lopes, vai continuar gravando em estúdio os futuros trabalhos da Dorsal? E apresentam os músicos atuais da banda. Quem são, de onde vieram…?
CARLOS LOPES –
Meu irmão grava os discos quando é possível e para manter a tradição. Hoje, a banda é Braulio Drumond, ex-Mustang na bateria e meu querido ex-aluno de guitarra, Alexandre Castellan no baixo. Gravar e lançar um disco é caro e os selos não querem investir. Como já disse, não sou menino rico e hoje não há como bancar um disco com menos de 100 mil reais. A última campanha de financiamento me cansou muito, fisicamente e mentalmente e somente agora em setembro de 2022 conseguiremos prensar a versão em LP do Pandemia, dois anos após a campanha. O disco Pandemia só nasceu, de fato, após eu ter composto a faixa título. Precisava de uma canção diferenciada, rica, brasileira e com uma temática intensa. Me cobro como compositor e desenhista, e nada acontece se não alcançar a qualidade criativa e artística que imagino.

8 – ROCK PRESS –  Depois de 10 anos de campanhas bem-sucedidas, e da volta aos palcos, será que não é hora de realizar um financiamento-coletivo para gravação de um DVD Ao Vivo?
CARLOS LOPES – Como disse, a última campanha me cansou muito. Fiquei muito feliz com o apoio público que financiou o Pandemia, mas até hoje ainda lido com os problemas da pandemia (e não do disco Pandemia). Dois anos após a campanha, ainda temos que entregar a versão em LP aos apoiadores, pois as fábricas de vinil fecharam por anos, o que atrasou toda a nossa organização. Um DVD ao vivo teria um custo muito alto e neste momento não faria uma campanha para isso, mas talvez faça para gravar um acústico em Canudos na Bahia de todo o CD Canudos.

9 – ROCK PRESS – Existe alguma previsão para a nova edição do livro Guerrilha, a biografia da banda?
CARLOS LOPES – É possível que em 2023, haja uma campanha para a reedição da biografia Guerrilha ampliada e que seria impressa em cores, mas é cedo para bater o martelo. O dia a dia muda os planos.

10 – ROCK PRESS – Qual será seu próximo trabalho em HQ?
CARLOS LOPES – Estou trabalhando em uma novela gráfica que conta a história do condomínio carioca em que nasci e vivi durante cinco décadas. Uma história lúdica, artística, que tanto contará a história do Rio, do bairro e do entorno como dos personagens que foram vizinhos como o porteiro que morava em uma favela queimada de propósito para dar espaço à especulação imobiliária, como citarei os amigos negros e pobres da escola, assim como falarei de personagens politicamente conhecidos como Zuzu Angel e Rubens Paiva, ambos assassinados pela ditadura. Cito artistas como Simonal, Lucélia Santos, Raul Seixas e João Gilberto entre outros. Falo sobre humanidades, erros, acertos e esperanças. Não será uma obra para a família porque reflete a história de um país hipócrita. Esta novela gráfica é uma saga atemporal sobre o Brasil. Um trabalho que supera tudo o que já criei e não se trata de promessa.

11 – ROCK PRESS – Existe uma cobrança por parte dos fãs da Dorsal para que a obra da banda seja disponibilizada oficialmente nas plataformas digitais. O que você pensa sobre o assunto?
CARLOS LOPES – Essa é uma questão antiga que muito me cobram e faz sentido que me cobrem. Estou perdendo público? Sim. Estou perdendo dinheiro e deixando que pirateiros lucrem com a obra que não pertence a eles? Sim. Mas esses sims não cobrem a complexidade do assunto.

12 – ROCK PRESS – Já faz um bom tempo que você assumiu Lula como seu candidato à presidência. Como você espera do Brasil pós eleição e quem são seus demais candidatos?
CARLOS LOPES – Antes mesmo de responder, gostaria de acrescentar que o golpismo não é algo novo no país, vide que D. Pedro II só assumiu o poder graças a um golpe e isso no século XIX. Desde o retorno dos exilados na ditadura, em 1979, me tornei brizolista e não PDTista, e comecei a tentar entender o poder das fake news, antes mesmo do termo se popularizar. Brizola não podia construir escolas públicas como os CIEPs (escolas em tempo integral); não podia impedir a polícia de bater em favelados; não podia criar o Sambódromo, não podia, não podia e a imprensa deu início a uma campanha sórdida quando Brizola aceitou ser vice de Lula na campanha presidencial em 1998, entendi ainda mais como a batalha seria longa e intensa. O chefe da Polícia carioca, indicado por Brizola, que tentou moralizar e acabar com a corrupção na PM, foi assassinado em 1999. O golpismo de direita mostrou as caras no governo Lula com o mensalão em 2005 e tem sido assim sem trégua até a vaza-jato que desaguou nesta campanha em 2022 com um concorrente ilegítimo que só assumiu o cargo graças a uma aliança de golpistas. Não sei o que será do país pós eleições, nem sei se haverá eleições, apenas sei que tenho muita pena de uma pessoa que apoia um adorador de ditaduras e torturadores. Mas não há tempo para pena, só para lutar pela consciência.

13 – ROCK PRESS – Como lidar com fãs Bolsominios e/ou que não entendem as letras da Dorsal?
CARLOS LOPES – Primeiro, não é factível querer agradar a todo mundo. Se uma banda quer agradar a todos, essa é a maior prova que a pessoa não é um artista, mas um carreirista, um marqueteiro. Os que não concordam que sigam outro caminho e assunto encerrado. Veja os casos do Roger Waters e do RATM cujos fãs só entenderam o teor das letras recentemente, após décadas. Não dá né? É muita dissociação. Quando houve a primeira campanha de financiamento da Dorsal em 2012, uma meia dúzia me escreveu dizendo que haviam descoberto que eu era “comunista” e que queimariam meus discos. Respondi “que ótimo” e me senti como os Beatles, minha banda favorita. Foi bem legal.

14 – ROCK PRESS – Você está morando em Brasília faz uns anos. Como você vê o Rio de Janeiro, morando em outra cidade?
CARLOS LOPES – Brasília é bem mais tranquila do que o Rio, exatamente por ser um “país” menor. Há muita qualidade de vida, mas há a mesma alienação que há em todo o país, moradores de rua e excludência social. Nenhuma cidade é perfeita e cada uma tem as suas características, mas o Rio abusa. E por vários motivos. Mas o maior deles é a própria elite deste país, uma elite rasteira, medíocre que não permite que o país cresça de baixo para cima. Veja a que ponto chegamos. Como carioca vi a ascensão do bozo e da criminalidade e um não vive sem o outro, seja milícias ou a banda podre da política. E quando o vi candidato em um golpe de estado e tendo a aprovação da maior parte da população carioca, tentei negar o óbvio: que o país havia mudado por culpa dele mesmo e de mais ninguém. Mas compreendi que o Brasil não havia mudado desde o Império e a escravidão. Também passei a não mais ver o povo como pobre coitado. O povo também elegeu o bozo, como o escravo que vota em capitão do mato. É uma gigantesca dissociação da realidade, é de uma hipocrisia gigantesca. O DF em Brasília é o local que mais tem bozonazista em todo o país. Por aí você já vê… Então tento conviver com as incongruências de cada local sem perder a ternura jamais.

Como tradição nas grandes entrevistas da ROCK PRESS, sempre convidamos músicos e formadores de opiniões para enviarem perguntas às bandas e músicos que entrevistamos. Selecionamos algumas que nos foram encaminhadas para vocês.

15 – MAILA-KAARINA – (Musicista, jornalista, diretora do documentário A Heavy Metal Civilization – Järvenpää/Finlândia) – Há um tempo, li uma entrevista sua em que disse que o metal brasileiro é um filho que você teve de renegar. Gostaria de saber qual a sua opinião com respeito ao metal no mundo. Você acha que hoje, em 2022, ainda existe autenticidade, rebeldia e propósito no metal em algum lugar?
CARLOS LOPES – Bom te ver (ou pelo menos reler) Maila. Você se lembra que na última vez que nos falamos, há muitos anos, conversamos sobre as Escolas de Samba finlandesas e que você me disse que havia muitas histórias de bastidores, etc e tal? O mesmo se dá com qualquer gênero humano e subcultura. A entrevista para o jornal O Globo em fevereiro de 22 não foi um desabafo, mas uma constatação de quem aprendeu a conhecer o terreno que pisa. A questão não se dá entre o passado, presente e futuro, mas sobre a inevitabilidade, sobre a necessidade e os por quês. Para mim, só existe arte relevante se ela servir para conscientizar, apesar que também é diversão. O mundo mudou nos últimos anos, o Brasil mudou, ou conforme acredito, se assumiu. Nos anos 90, a TV transmitia desfiles de carnaval de bailes gay. Hoje isso é impossível. Desde a ascensão e a tomada de poder pela extrema direita, o público e bandas dessa linha saíram do armário. É uma distopia intragável. Há os resistentes como eu, mas quando olho este filho, que ajudei a criar, o Heavy Metal brasileiro, não o vejo com bons olhos. Talvez tenha me enganado quando o imaginei em 1981…. Talvez eu seja um Dom Quixote, um romântico iludido. Então, que cada um construa o mundo à sua imagem e semelhança.

16 – WILFRED GADÊLHA – (Autor do livro Pesado e apresentador do programa Pesado – Recife/PE) – A Dorsal cantava inicialmente em português, depois migrou para o inglês, até o Straight. Desde o 2012, você optou pelo português. Qual a importância de se expressar na língua natal?
CARLOS LOPES – A mudança para o inglês se deveu ao fato de um selo estadunidense lançar a ópera Searching for the Light. Assim já o gravamos em outra língua, inclusive com promessas de organizarem uma excursão ao exterior que nunca passou de conversa fiada. Mas alguns anos antes, recebemos uma proposta para lançar o Dividir e Conquistar em inglês, o que também nunca ocorreu. E o Straight gravado na Inglaterra (em inglês) foi lançado na Alemanha, mas sem a menor estrutura de divulgação. Os grandes selos nunca se interessaram pela Dorsal. Muito “intelectualizada” pensavam… Talvez esses álbuns em inglês não façam parte do atual set list por musicalmente até gostar deles, mas pelo inglês, não…. É uma reflexão bem mais profunda. Não há como explicar tantas nuances, aqui e agora.

17 – MÁRCIO VALENTE – (Profissional da Saúde Mental e autor da foto acima – Campo Grande – Rio de Janeiro/RJ) – Em seu trabalho com a Dorsal e demais projetos, sempre presou por uma estética artística vanguardista e foi desenvolvendo melhor caminho ao longo da carreira. Você consegue identificar hoje, artistas ou bandas do meio, que seguem a mesma postura?
CARLOS LOPES – Exatamente iguais ou assemelhados com a Dorsal, não. Estou mais para Bowie do que para Lemmy, sempre digo. Não em tom debochado, mas realista. Estou mais para os tropicalistas do que para o mundo do Heavy Metal que ajudei a fundar e construir. E certamente, esse não é um problema meu. Mas há várias bandas novas interessantes com ideologia semelhante, mas não há como comparar. Musicalmente a distância é enorme. Nasci em outra época, fiz coisas impensáveis, fui coerente até passar fome e cheguei aos 60 anos calejado, mas não decepcionado. As pessoas são o que são e as bandas espelham essa incoerência humana. Não quero sucessores. Quero que façam a revolução.

18 – RAFAEL CABRAL – (baterista da banda Cine Sinistro – Rio de Janeiro/RJ) – Você é um cara que não se esconde e não tem medo de botar o dedo na ferida, ao contrário da maioria da cena metal brasileira. Qual o fator que você considera decisivo na sua formação para se tornar um cara tão diferente dos outros músicos?
CARLOS LOPES – Mamãe me dizia, desde criança, que eu sofreria muito por ser como sou… Uma interpretação materna, apequenada, mas em parte realista. Como se minha mãe sentisse, soubesse que o mundo nunca se adaptaria a mim e vice-versa. Seria um embate sem trégua. Por exemplo, vivi com o meu irmão no mesmo quarto por décadas, vimos as mesmas coisas, vivemos no mesmo mundo, mas somos intrinsecamente diferentes. Por isso, as decisões, os viveres são individuais e os caminhos escolhidos, únicos.

19 – PAULO SISINNO – (Professor, Ex-editor da Revista Metal, produtor de programas de Rock e Metal na rádio Fluminense FM Na década de 1980) – Niterói/RJ) – Como você imagina o futuro do Heavy Metal no mundo e no Brasil? e Como você acha que a história da Dorsal será vista em retrospecto no futuro?”
CARLOS LOPES –
Gostaria de fazer uma análise profunda, mas meu amigo, o futuro do Heavy Metal depende do Heavy Metal. Se as pessoas e bandas quiserem ser submissas, assim será o Heavy Metal, que não era, nunca foi e nunca será apenas música. Como jornalista, sabemos que “a verdade” é uma visão divulgada pela imprensa que obedece a interesses e ambições pessoais. O que o futuro dirá da Dorsal e da minha obra? Não sei, mas creio que seremos esquecidos no futuro pelos nossos valores divergentes e pouco populares e por não termos gravadoras e assessorias para bancarmos a nossa verdade. E toda verdade é uma construção.

20 – JAYME CATARRO – (Banda Delinquentes – Belém/PA) – O disco, Antes do Fim foi um álbum considerado inovador para os padrões da época, pois era uma fase em que as bandas do underground nacional basicamente ou eram de hardcore ou era de metal, e o conceito do disco meio que misturava essas 2 linhas. O que lhe motivou e lhe quais bandas influenciaram essa postura crossover considerada inédita na época?
CARLOS LOPES – Cresci nos anos 1970 com Sex Pistols, UFO, Beatles, Judas Priest, Joelho de Porco e Secos e Molhados. Gostava muito de bandas como a Patrulha do Espaço, mas eu queria ir além, escrever a minha própria versão de como deveria ser e soar a música pesada para a década de 1980. Como negar tudo isso para me apequenar em um só estilo? O Heavy Metal era uma página em branco em 1980 e por aí me fiz. Senti que poderia construir muita coisa e impor a minha visão, já que não havia quase ninguém para disputá-la. Sonhava com um Metal brasileiro e intelectualizado. Como percebi que não poderia mudar a cabeça da maioria, me contive em gravar os discos como imaginava. Assim me decidi pela mistura, pela miscigenação, pelo crossover. Sim, era uma loucura ter feito isso e não me arrependo, assim como misturo MPB em minha música pesada hoje e também não me arrependo.

21 – CRISTIANO PASSOS – (Cristiano dos Passos, ex-músico nas bandas, Necrobutcher, SRMP, Antichrist Hooligans e atualmente baterista da Sengaya, colaborador da Dejeto Sonoro Distro e pesquisador de música extrema desde os anos 1980. – Florianópolis/SC) – Esses dias, vi um debate no Facebook sobre o embate entre a velha geração do underground e a galera mais nova, que olha para os mais velhos como “tiozões reacionários”, enquanto aqueles acham que a gurizada mais jovem não sabe tanto assim de metal e está mais preocupada em lacrar etc. Como você, que tem uma longa história na cena, vê essa questão da guerra entre gerações? Como representante de uma outra época, você tem percebido também essa reação dos mais jovens contra o legado do Dorsal Atlântica? Outra coisa, as letras do Dorsal sempre foram um grande destaque na história da banda. Nos últimos discos, você tem usado bastante o recurso da alegoria, recontando fatos históricos ao mesmo tempo em que os associa ao presente, principalmente em Canudos. Você pode nos contar de onde vem sua inspiração para tal? E qual a importância do uso da alegoria para sua visão de mundo e seu fazer artístico?
CARLOS LOPES –
Esse debate entre “velhos” e “novos” é estéril. O que fazer se sou um “velho” com uma cabeça mais aberta do que a maioria dos “jovens’? Filosoficamente, não me encaixo em nenhum dos grupos. As pessoas são muito mais complexas e também auto limitadas em suas parciais análises. Na minha geração, não vejo ninguém com os mesmos pensamentos que os meus, assim como vejo bastante parcialidades nessas interpretações. Seja uma alma livre, apenas isso. Os apoiadores da Dorsal são diferentes, diferenciados, não são apenas fãs de Heavy Metal. Muitos são historiadores, escritores, professores, então essa discussão entre gerações não chega a mim. Ser contra o legado da Dorsal é antes de tudo, ser um colonizado. É assim que analiso. Só me importo em ver a obra financiada e conto com essas pessoas. O debate precisa ser em alto nível, não em likes. Sobre as letras dos álbuns, em grande parte é pelo meu amor ao Brasil e o amor pela nossa história. Eu teria sido historiador ou professor de história se não tivesse decidido ser artista. Sendo assim, as letras espelham a soma dessas paixões. Meus grandes mestres líricos são os livros de Machado de Assis e Lima Barreto e as letras de Caetano, Gil, Torquato, Tom Zé, Chico Buarque, entre outros. Amo o Brasil (desde que não seja o país dos que odeiam arte e livros e que amem ditaduras).

22 – MICHAEL MENESES/ROCK PRESS – Voltando as perguntas da Rock Press. – Como foi sua adaptação e reação do público ao fato de você usar uma guitarra baiana para tocar metal?
CARLOS LOPES –
Ousar é o meu combustível. Em função de uma ideologia muito forte. Há muito tempo tenho estado enfastiado dessa colonização, de tanta submissão cultural. Uma guitarra baiana é um grande símbolo de resistência. Uma mensagem direta.

23 – ROCK PRESS – Como está a visibilidade da banda no exterior? Existe possibilidade de shows? Em especial, agora com a volta aos palcos, usando guitarra baiana e já há mais de 10 anos cantando em português.
CARLOS LOPES – Estava distante de tudo isso, empresariamento, contatos com o exterior há anos. Apenas foquei em gravar os novos álbuns e não em tocar ao vivo. Mas as coisas foram acontecendo a partir do Pandemia. Para ter-se uma carreira no exterior é preciso dinheiro para investir ou no mínimo uma gravadora e selo para abrir as portas e influir na imprensa e escalação de shows. É assim que funciona. Sobre isso, carreira, há uma máxima que diz: mate o artista, mas não mate a obra. E o que isso quer dizer? A quem interessa? Vivo da minha arte, e a vivo 24 horas. Mas para mantê-la viva é preciso retorno e apoio do público, e não só para ouvir música em YouTube e streamings.

Pesquisa realizada pela Revista Somtres.

24 – ROCK PRESS – Em alguns dias, teremos uma nova edição do Rock in Rio, notei algumas manifestações nas redes sociais que essa edição poderia ser a chance de bandas como Dorsal Atlântica, Ratos de Porão… Dorsal acabou não entrando. Você espera tocar no Rock in Rio algum dia? Lembrando que o Ultimatum foi lançado no dia de abertura do Rock in Rio 1985. Quais são suas memórias sobre o festival?
CARLOS LOPES – Assisti a algumas noites, duas ou três do primeiro Rock In Rio em 1985 e lembro do som excelente, dos grandes shows, do perigo de “navegar” entre uma multidão de cem mil pessoas, e da lama e do mijo nos banheiros. No segundo Rock In Rio fui ver o Sepultura, Judas, Megadeth e o Guns, mas já não era a mesma coisa. Pelo menos para mim. Em 1988, fomos eleitos pelo público da revista Som Três como uma das bandas brasileiras mais esperadas para o Rock In Rio II, mas hoje, sei que não é assim que se escala uma banda. Há as políticas de bastidores (vide a Prevent Senior). E para falar a verdade, até hoje acho surpreendente que tenhamos tocado no palco principal do Monsters of Rock em 1998 e sem jabá. Hoje seria impossível, creio, tanto que acho um absurdo uma banda como o Ratos de Porão tocar em um palco terciário do Rock In Rio. Eles merecem muito mais. E também, falar sobre outra época é uma faca de “dois legumes”. Em uma live recente me perguntaram como divulgávamos os shows em 1981…. Achei estranho, mas compreensível, afinal de contas as pessoas se acostumam com o que há hoje e esquecem que fazíamos o possível com as ferramentas de outra época. Mas enfim…

25 – ROCK PRESS – O que vem pela frente? Deixe uma mensagem final aos leitores da Rock Press…
CARLOS LOPES – Não creio que gravaremos discos tão cedo. Não vejo isso em um horizonte próximo. Foco na graphic novel e trabalho para isso. Quero muito vê-la pronta e distribuída para que se possa conversar, filosofar e refletir sobre o Brasil. Mas o que será deste país em futuro breve? Estará melhor ou sempre será uma ditadura de quinta apoiada por brasileiros que odeiam o Brasil? O Brasil será o que fizerem dele… Importante citar que a Dorsal, como toda a obra, e a ideologia dependem de seus apoiadores. Sempre. O sonho se mantém vivo quando sonhamos juntos.

OS DOIS PRIMEIROS SHOWS DA VOLTA DA DORSAL ATLÂNTICA AOS PALCOS!

DORSAL ATLÂNTICA E SEPULTURA
12 de Fevereiro de 2022
Circo Voador – Rio de Janeiro/RJ

TEXTOS: Dudu Martins
FOTOS: Michael Meneses

Dois dos grandes nomes do heavy metal brasileiro se apresentaram na lona histórica do Circo Voador no sábado, 12 de fevereiro. O Sepultura deu início a divulgação do álbum “Quadra Tour 2022” em uma noite que também teve um momento histórico, com o retorno da Dorsal Atlântica aos palcos, depois de 24 anos sem shows, divulgando o disco “Pandemia” de 2021.

Logo na entrada, era nítido o cuidado do Circo Voador com os protocolos de segurança contra a covid-19, exigindo comprovante de vacinação e o uso de máscaras. Havia avisos espalhados pela casa, inclusive bem grandes nas laterais do palco, porém muita gente foi vista sem máscara após a entrada. Uma vez dentro do Circo, o público era recebido com o som mecânico a cargo de Angelo Arede, o Zé Pelintra da Gangrena Gasosa.

A surpreendente volta da Dorsal aos palcos não poderia ter sido em lugar mais apropriado. Banda seminal na cena underground, conhecida tanto por ter promovido a união entre o metal e o punk/HC como pelas composições de caráter contundente e ideológico, sua história por vezes se confunde com a da lona do Circo da Lapa, assim como com a do heavy metal nacional. As últimas apresentações foram em 1998. Na época, apresentavam as músicas do violento disco “Straight”. Ainda que a Dorsal tenha uma ligação enorme com o passado, por conta do pioneirismo e da gama de bandas que influenciou – vide o Sepultura – o espírito desbravador, de mensagens contundentes, letras bem construídas, sem medo de novos experimentos em seus discos permanece o mesmo. Depois do hiato entre 2000 e 2012, a Dorsal retornou com força total para lançar novos discos : “2012”, “Imperium” (2014); “Canudos” (2017) e “Pandemia” (2021). Todos sobre história e política brasileira e por meio de financiamentos coletivos. Faltava apenas o retorno aos palcos e o momento tão aguardado pelos fãs finalmente chegou.

Identificar os fãs da Dorsal era fácil entre os presentes: uns com a camisa estilizada do “Guerrilha F.C.”, inspirada no Botafogo – time de Carlos e Claudio Lopes -, outros com camisas da banda e muitos com suas madeixas grisalhas “denunciando” que já faziam parte da “velha guarda” da cena. Entretanto, as ligações com o passado terminam aqui. O pano de fundo do palco – a bela e intrigante arte do disco “Pandemia”, com os burros e os gorilas – já mostravam de forma explícita o que aconteceria. Sem introdução nem nada, Carlos sobe empunhando a guitarra baiana, nova companheira de batalha.
Com a cozinha nervosa e coesa de Bráulio Drummond (bateria) e Alexandre Castellan (baixo), a Dorsal inicia a apresentação com “Império”, “Stalingrado” e “Meu Filho Me Vingará”, dos discos “2012” e “Imperium”. O Circo Voador recebe entre uma música e outra os primeiros protestos de Carlos, sempre explícito e contundente em seus discursos. Sua fala era endossada pelos gritos de “Fora Bolsonaro” e outros mandando o presidente mentecapto tomar naquele lugar. Na sequência, “Belo Monte” e “Gravata Vermelha” do disco “Canudos”.

E vale lembrar que, se durante os primeiros anos desde milênios, durante os shows da Mustang ou da Usina, ouvia-se gritos de “Dorsal”, essa vez foi a vez de ouvir: “Mustang”! Todos na banda sorriram e o Carlos respondeu: “Banda Boa! ”.

Na medida em que a Dorsal Atlântica avançava no repertório – e vale outra vez mencionar a cozinha afiada e avassaladora -, mais ataques contra o sistema e a corja fascista que está no poder. Como as letras são baseadas na história do Brasil e Carlos sempre explicava seus contextos, nada mais justo que dizer umas verdades.

Na sequência, as músicas do recente “Pandemia”: a faixa título, “Burro” e “Combaterei”. Vale ressaltar a receptividade destas, corroborando com a popularidade do disco. Os fãs mais antigos poderiam até ressaltar que a Dorsal Atlântica do século XXI tem muitas influências do álbum “Dividir e Conquistar” (1988) pelas letras em português e dos instrumentais com diversas passagens.

E por falar em “Dividir e Conquistar”, era a hora dos clássicos: “Tortura”, “Vitória” e “Metal Desunido”. Um misto nostalgia, emoção e até mesmo o calor de presenciar um momento histórico para o metal nacional se misturaram entre os presentes. O “gran finale” ficou com “Caçador da Noite” e “Guerrilha”, do clássico “Antes do Fim”, de 1986. A citação de “O Canto de Ossanha” de Vinícius e Baden Powell e “The End” dos Beatles em “Guerrilha” foi genial, para dizer o mínimo. Ao fim da apresentação, Carlos agradeceu a todos e fez questão de mencionar pessoas que vieram do Brasil inteiro e até do México, para ver o retorno da Dorsal Atlântica.

Sepultura, iniciando o Quadra Tour 2022…
Depois do histórico retorno aos palcos da Dorsal, era a vez da maior banda de heavy metal da América Latina. Com quase 40 anos de estrada, o Sepultura foi fundamental para colocar a América do Sul no mapa do metal. O grupo se reinventou com a entrada de Derrick Green em 1998 e solidificou sua formação com Eloy Casagrande assumindo a bateria em 2011. As duas últimas décadas viram a evolução musical do Sepultura, diversificando ainda mais a sua sonoridade e aumentando vertiginosamente a discografia, lançando diversos álbuns. Incansável e desbravador, o Sepultura ampliou cada vez o número de fãs pelo mundo ao visitar sempre novos países em cada turnê mundial como Líbano, África do Sul e Mongólia, por exemplo. Não seria nenhum exagero dizer que o quarteto brasileiro está entre as maiores bandas do heavy metal mundial.

Ao som de “Isolation”, o Sepultura iniciou “Quadra Tour 2022” e ateava fogo sem piedade sobre um lotado Circo Voador. Sem tempo para respirar, uma breve volta ao passado com o clássico “Territory” para mergulhar nas músicas do “Quadra”. Andreas fez questão de reafirmar a importância daquela noite ao mencionar o retorno do Sepultura depois de dois anos de pandemia. Finalmente o aclamado “Quadra” seria apresentado ao vivo. “Capital Enslavement”, “Means to an End” e “Last Time”. A coesão rítmica entre Andreas e Eloy direcionam o Sepultura a passagens extremamente trabalhadas enfatizando ainda mais o peso da banda. O fato de Derrick Green estar com a perna imobilizada no palco – o frontman foi atropelado nos EUA – não comprometeu em nada sua presença de palco. A resposta do público para as faixas só demonstra a receptividade positiva de “Quadra”.

A “quadra” seguinte no setlist revisitou álbuns anteriores: “Kairos”, “Sworn Oath” e agora o hino “Choke”, do primeiro disco com Green, “Against” (1998) e a grata surpresa e jamais tocada com Derrick ao vivo, “Slaves of Pain” do magistral “Beneath the Remains” (1989), que levou o Circo Voador abaixo e agradou a velha guarda. O retorno ao Sepultura do século XXI foi através das faixas “Guardians of the Earth”, single de divulgação do novo álbum e “The Pentagram”, um instrumental vigoroso e repleto de passagens complexas.

Na sequência vieram “Machine Messiah”, “Phantom Self”, a nervosa “Convicted in Life”, que já pode ser considerada um novo clássico da banda e “Infected Voice”, que nas palavras de Andreas, “era o lado B ou C” do Arise. A última faixa apresentada do “Quadra” foi a belíssima “Agony of Defeat”, que solidifica de vez o uso de melodias vocais nas composições da banda, mostrando a versatilidade de Derrick Green como vocalista. O “gran finale” veio com a sequência “Refuse/Resist” e “Arise”. A essa hora, o Circo Voador era um mar de “slam dance” e gente batendo cabeça. No bis, “Ratamahatta” e “Roots”.

A tour de divulgação do “Quadra” promete dar mais popularidade ao já aplaudido álbum. A coesão rítmica da banda, com passagens trabalhadas que exigem bastante técnica, só enfatizam ainda mais o peso e o groove do Sepultura, levando a sonoridade a novos horizontes. As músicas funcionaram bem ao vivo e certamente surpreenderão lá fora. É excelente ver o Sepultura de volta ao seu habitat natural na estrada. O quarteto viaja para a Europa e a América do Norte com a “Quadra Tour”. O retorno ao Rio de Janeiro já tem data marcada: o grupo se apresenta no Rock In Rio em setembro.

Não há dúvidas de que o Circo Voador foi o lugar mais apropriado para celebrar a história do heavy metal nacional em dois shows memoráveis. Ainda que a noite do dia 12 de fevereiro tenha sido um encontro entre criador e criatura, é gratificante ver a amizade e o respeito mútuo entre duas entidades do heavy metal brasileiro que, mesmo com toda bagagem histórica, não possuem planos de permanecerem presas ao passado e sim, seguir desbravando, além de arregimentar mais seguidores em suas histórias.

DORSAL ATLÂNTICA + AÇÃO DIRETA + ANAMA +
KEEPTOR BLACKNING + RHEGENCY + THRASHING
Parque da Juventude Cidade Maróstica – São Bernardo do Campos/SP
17 de Julho de 2022.
TEXTO: – Cadu Ribeiro e Michael Meneses

FOTOS: Cadu Ribeiro

FOTO: Cadu Ribeiro

Em um dia cheio de histórias e celebrações, a Dorsal Atlântica enfim voltou a se apresentar em São Paulo, depois de quase 25 anos. A banda havia feito uma apresentação no Rio de Janeiro em fevereiro, e em junho, São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, foi a cidade escolhida para a segunda apresentação. O evento também comemorou o Dia Mundial do Rock e foi realizado graças à parceria entre a Secretaria de Cultura e Juventude de São Bernardo e o Coletivo Rock ABC. O que prova que boas ações são possíveis, quando ambos os lados buscam o diálogo político-cultural.

Ação Direta, cria do ABC. Foto: Cadu Ribeiro

O evento teve início, ainda no começo da tarde, Anama, Keeptor Blackning, Rhegency, Thrashing, nomes promissores do underground, para em seguida, ser a vez da sempre militante Ação Direta (foto acima), que por sinal, comemorava 35 anos. Aliás, foi no show de Gepeto e CIA que rolou uma participação especial de Carlos Lopes, no cover de “Caçador da Noite”, homenagem do Ação Direta e registrada no álbum “Na Cruz da Escuridão” (2019).

Foto: Cadu Ribeiro

A Dorsal iniciou sua apresentação com Carlos Lopes e sua guitarra baiana, o que deu, com o perdão do trocadilho, um tempero diferente para o show e logo o vocalista reconheceu o respeito que o público da região do ABC sempre teve com a banda: “Quando viemos tocar em SP pela primeira vez, não foi o público da capital que nos abraçou, e sim o público do ABC “. E completou: “Falavam para tirar aqueles punks cariocas cabeludos do palco”. Daí vimos Carlos Lopes em seu estado puro, sempre sincero, direto e sem fazer média. O setlist começou com “Ave Imperium”, seguindo de “Gran Finale”, “Stalingrado” e “Meu Filho Me Vingará” e entre as músicas. Um show à parte do Carlos, contando as histórias das canções em paralelo com a história do Brasil, uma verdadeira aula, com direito a recados diretos ao (des)governo atual. Nesse momento foi percebido o “abandono” daquela “galerinha” do papinho que “música e política não se misturam”, uma minoria que insiste em ser contraditória na sua essência.

Foto: Cadu Ribeiro

Por outro lado, entre discursos e sons, podíamos observar a emoção do público que entende a mensagem e em certa hora incrédulo com aquela apresentação histórica. A banda seguiu com a já clássica “Belo Monte”, seguida de “Não Temos Nada a Temer”, música sobre o (des)presidente do golpe de 2016, e “Cocorobó”. Impossível, não destaque também para a performance impecável de Alexandre Castellan (baixo) e de Bráulio Drummond (bateria).

“Infectados” e a autointitulada “Pandemia” dão continuidade ao set. Então, é chegado o momento mais aguardado, onde os clássicos começaram a ser entoados, numa sinergia única entre público e banda. Em “Tortura”, Carlos iniciou com os dizeres “Os brasileiros são torturados todos os dias”. Já em “Vitória”, a tradicional roda foi aberta e o público agitou livremente. Fechando os clássicos do disco “Dividir e conquistar”, tivemos a clássica “Metal Desunido” e em mais um discurso Carlos deixou claro que já em 1987 a cena nacional caminhava errante em algumas coisas.

Como era de se esperar, o momento mais marcante do show foi “Guerrilha” onde pude observar não só gente chorando (sim) como também quase ninguém registrando em foto e vídeo – coisa rara hoje – mas absorvendo da forma mais natural e orgânica possível aquele que, sem dúvida, foi o ponto alto do show. Afinal, era uma banda clássica tocando depois de duas décadas seu maior clássico.

Para finalizar em grande estilo teve “Caçador da Noite” e, claro, um bis (atendendo a pedidos). A música escolhida para encerrar foi “Vitória” e não existe palavra que defina melhor essa trajetória, esse dia e esse momento. Viva a Dorsal, viva o coletivo Rock ABC e viva o público que soube curtir da melhor forma esse show absolutamente histórico. Encerro por aqui com a conhecida frase que mais define essa grande banda: “Dorsal não é Moda, Dorsal é Foda!”

E assim se comemorou o Dia Mundial do Rock em São Bernardo dos Campos/SP – FOTO: Billy Albuquerque

The Day After…

Luiz Marinho (PT/São Bernardo dos Campos/SP), recebendo Carlos Lopes. – FOTO: Luciana Sendyk

A volta da Dorsal Atlântica aos palcos de São Paulo ocorreu em São Bernardo dos Campos, cidade do ABC-Paulista e berço de uma histórica militância política operária, onde Lula foi líder sindical atuante nos anos 1970/80, chegando a ser preso por conta da sua luta. Era fato que Carlos Lopes, Brizolista das antigas e Lulista em tempos atuais, iria articular diálogos com lideranças políticas, sindicais e culturais da região. Logo, na segunda-feira (18/07), Carlos foi recebido, Luiz Marinho (PT) e ex-prefeito de São Bernardo dos Campos/SP, Claudionor Vieira (secretário-geral dos Metalúrgicos do ABC), Max Pinho (secretário-geral da Federação dos Sindicatos de Metalúrgicos da CUT-SP (FEM-CUT) e CSE na Mercedes-Benz), entre outras lideranças da região. Tudo em companhia de fãs, da banda Ação Direta, músicos e do pessoal Coletivo Rock ABC. Ou seja, o diálogo entre política e a cultura se mantiveram presentes e “Certos da Vitória”. – Cadu Ribeiro e Michael Meneses.

VALE CONFERIR:
Nos últimos anos Carlos Lopes vem participando de diversas entrevistas nas redes sociais. Algumas dessas primeiras lives foram promovidas pelo Instagram da Rock Press (veja links abaixo). A banda também produziu mini-docs dos shows no Rio e em São Paulo a partir de acervo pessoal e enviados pelos fãs. Seguem os links de alguns desses registros:
Dorsal Atlântica e Sepultura: Show no Circo Voador/RJ: https://www.youtube.com/watch?v=gx4UvPZW_WA&t=17s
Dia Mundial do Rock em São Bernardo dos Campus/SP: https://www.youtube.com/watch?v=Es6VW_Tvb7U
Documentário sobre o Tributo Cearense: https://www.youtube.com/watch?v=7uPsgNgW8QM
Documentário sobre o álbum Pandemia: https://www.youtube.com/watch?v=aW_OdD-gH1Y&t=30s
Documentário sobre o álbum Canudos: https://www.youtube.com/watch?v=estyT8YqM0Y
Revista Tupinambah (foto): https://www.youtube.com/watch?v=yvjyysU6El8
Revista Pandemia: https://issuu.com/carlos_lopes/docs/revista_pandemia_2
Reflexões sobre os dias 7 e 11 de setembro, D.Pedro II e João Goulart: https://www.youtube.com/watch?v=aTOddvZRkBk&t=1s
Samba na Finlândia: http://www.portalcarloslopes.com.br/index.htm?page=samba_finlandia.htm
Sobre o Ratos do Porão no Rock in Rio: https://www.youtube.com/watch?v=5XWkyc3rtaQ
SOBRE A GUITARRA BAIANA:
Highway Star: https://www.youtube.com/watch?v=gO4olW2F4y8
Disseram que eu voltei americanizada: https://www.youtube.com/watch?v=UTUKDkZPtSY

CONTATOS DORSAL ATLANTICA:
SITE:
http://dorsalatlantica.com.br/
LOJA: https://dorsalatlantica.minestore.com.br/
INSTAGRAM DORSAL: https://www.instagram.com/dorsalatlanticaoficial/
INSTAGRAM CARLOS LOPES: https://www.instagram.com/carloslopesartista/
FACEBOOK 1: https://www.facebook.com/dorsaloficial
FACEBOOK 2: https://www.facebook.com/dorsalatlantica/
REVISTA TUPINAMBAR: http://www.tupinambah.com.br/
FACEBOOK TUPINAMBAR: https://www.facebook.com/carloslopestupinambah/

Respostas de 8

  1. Que entrevista maravilhosa!
    Sempre bom ler o Carlos. A pessoa mais autêntica da cena metal do Brasil. Sempre foi e sempre será.
    Obrigada pela oportunidade de enviar uma pergunta a ele.

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