ROGER WATERS – Isto não é um ensaio! (Belo Horizonte/MG – 2023)

Roger Waters apresenta sua turnê “This Is Not A Drill”, em Belo Horizonte, num concerto em que música, teatro e cinema se unem evocando uma ideia de obra de arte total, próxima da proposta pelo compositor Richard Wagner, no século XIX. E, obviamente, a política não ficou de fora.

ROGER WATERS
Isto não é um ensaio!

Mineirão – Belo Horizonte/MG
8 de novembro de 2023
.

TEXTO: Robert Moura
FOTOS: Lucas Alvarenga

O início…
Roger Waters desembarcou no Brasil, novamente, depois de vir ao País com as turnês “In The Flesh” (2002), “The Dark Side Of The Moon Live” (2007), “The Wall Live” (2012), “Us + Them” (2018). A turnê “This Is Not A Drill” já passou por EUA, Canadá, México, Portugal, Espanha, Itália, Países Baixos, Noruega, Suécia, Escócia. O show na Polônia precisou ser cancelado devido à guerra entre Rússia e Ucrânia. Depois do Brasil, Waters segue para Uruguai, Argentina, Chile, Peru, Costa Rica, Colômbia e Equador.

A banda de Waters (vocais, baixo, violão, guitarra e piano) conta com Jon Carin (teclados, violão, guitarra, pedal steel e marxophone), Dave Kilminster (guitarra e backing vocals), Jonathan Wilson (guitarra, backing vocals e voz principal em “Money” e “Us and Them”), Gus Seyffert (baixo, guitarra, acordeom e backing vocals), Joey Waronke (bateria e percussão), Amanda Belair (backing vocals e percussão), Shanay Johnson (backing vocals e percussão), Robert Walter (órgão, teclados e piano) e Seamus Blake (saxofone e clarineta).

A estrutura do show é, sem dúvidas, uma das maiores já vistas. O palco é, de fato, um cenário, com telões de alta definição, instalados de forma contínua que o “invadem”. Não seria exagero dizer que o teatral concerto de Waters é, ao mesmo tempo, cinematográfico, pois a sequência do show, as encenações de Roger e os vídeos formam um filme-documentário-manifesto. A primeira referência que vem à mente ao assistir ao show de Waters é a do conceito de obra de arte total (em alemão “gesamtkunstwerk”) associado ao compositor de ópera alemão Richard Wagner (1813-1883) que procurou unir música, teatro, dança e artes plásticas em seu trabalho. É para esse caminho que Waters se direciona com seus trabalhos conceituais. Inclusive, ele já se enveredou até mais na área quando compôs a ópera “Ça Ira”, lançada em 2005.

O fim…
A turnê de Waters, como ele mesmo pontuou, é um manifesto político. E, não à toa, logo na abertura do show, um aviso no telão informava que “Se você é um daqueles que diz: ‘Eu amo o Pink Floyd, mas não suporto a política do Roger’, você pode muito bem se retirar para o bar agora. Obrigado”. Como essa gente é sincera em seus preconceitos a ponto de manifestá-los sem maiores constrangimentos, mas não é honesta, podem acreditar que nenhum deles foi para o bar, e sim, continuaram em seus locais prontos a xingar em todos os momentos em que Waters dizia algo que não lhes agradava ou os telões mostravam alguma mensagem ou imagem que não aceitassem. O artista manifestou seu apoio a Julian Assage, assim como à Ucrânia, inclusive lembrou diversas outras guerras, exibindo no telão, nome, imagens, estragos e mortes causadas por elas, em especial por presidentes norte-americanos.

A violência cotidiana contra mulheres, pessoas lgbtqiapn+ e a população negra também não foi esquecida. Acredite que houve quem vaiasse momentos em que o telão mostrava casos em que pessoas foram mortas apenas por serem quem são (sem nenhum crime ou acusação, e consequentemente sem julgamento ou condenação). Afinal, não é demais lembrar que Belo Horizonte foi uma das diversas capitais brasileiras que deram votos suficientes a um candidato à presidência de extrema-direita que lhe permitiria ser eleito por duas vezes. Mas, as cidades do interior de Minas Gerais não acompanharam a capital fazendo com que ele perdesse as duas vezes no Estado mantendo a tradição desde a reabertura das eleições diretas, após os anos de ditadura militar, em que o candidato vencedor à presidência também vence em Minas.

…e o meio…
Ah, mas e a música? Sim, ela estava lá! E como estava! Apesar de todo o discurso e manifesto de Waters, “This Is Not A Drill” é um concerto musical, e em momento algum da noite isso foi esquecido. A abertura do show já contou com “Comfortably Numb”, do álbum “The Wall” (1979), numa versão em que os clássicos e marcantes solos de guitarra do ex-parceiro David Gilmour foram substituídos por solos vocais de Amanda Belair e Shanay Johnson, bem como efeitos sonoros que lembravam todo o terror das guerras com ruídos, gritos e gemidos. Algo como Jimi Hendrix fez em sua interpretação do hino nacional norte-americano, “The Star-Splanged Banner”, no Festival de Woodstock, em 1969, porém, usando sua guitarra para simular sons de bombas, mísseis e destruição, em protesto contra a guerra do Vietnã

“The Happiest Day Of Our Lifes” e “Another Brick In The Wall, parts 2 e 3”, do mesmo disco, deram seguimento à abertura do show. “That Powers That Be”, do excelente álbum solo de Waters, “Radio K.A.O.S” (1987), marca sua presença no repertório da turnê, após mais de vinte anos ausente de seus setlists. A canção foi sucedida por “The Bravery Of Being Out Of Range”, de “Amused To Death” (1992), também de sua carreira solo, e igualmente, não muito frequente nos shows. Na sequência, ele apresenta “The Bar”, uma composição nova que vem sendo tocada nessa turnê e que reaparece no final do show em sua versão “Reprise”. Além da canção que o nomeia, o álbum “Wish You Were Here” (1975) é prestigiado com “Have A Cigar” e “Shine On You Crazy Diamond, parts VI-IX”. De “Animals” (1977), ele pinça “Sheep” para fechar a primeira parte do show quando a ovelha inflável surge “voando” no estádio. E o famoso porco também fez seu vôo para chamar o público da volta do intervalo, sendo o álbum “The Wall” o responsável por abrir a segunda parte do espetáculo com “In The Flesh” e “Run Like Run”. De volta à sua carreira solo, ele traz “Déjà vu”, de “Is This The Life We Really Want?” (2017) e sua faixa-título. “Money”, “Us And Them”, “Any Colour You Like”, “Brian Damage” e “Eclipse”, do épico disco “The Dark Side Of The Moon” (1973), criam o “gran finale” perfeito para o espetáculo. E, para o bis, Waters reserva “Two Suns In The Sunset”, de “Final Cut” (1983), “Déjà Vu (Reprise)” e “Outside The Wall”.

Evidentemente, momentos mais “triviais” não faltaram como o coro emocionado do público em “Wish You Were Here” ou em “Another Brick In The Wall, part 2” (que foi executada sem a repetição da estrofe em que originalmente tem um coro infantil). O programa do show (e aqui, a palavra “programa” faz mesmo sentido) é muito bem montado dando sequência narrativa aos vídeos e ao discurso do músico inglês. Longe de ser um instrumentista ou cantor com maiores aptidões técnicas, Waters sabe, como um bom líder, dirigir sua competentíssima banda. E, apesar de ser o dono da bola, ele deixa todos jogarem. A entrega e satisfação do grupo durante e ao final do espetáculo é notória.

Se o show faz críticas ao capitalismo, fica difícil não perceber que tudo ali gira em torno disso. Desde os patrocinadores aos esquemas e investimentos que permitem um show dessa magnitude. Os preços dos ingressos, não necessariamente acessíveis, que não permitem que muitos daqueles que Roger defende possam ir assisti-lo. Enfim, contradições que só estão aí para provar que estamos falando da humanidade (e de um pouco da falta dela). Raul Seixas ensinou que “para aprender o jogo dos ratos, de rato você tem que transar” Quem há de dizer que ele estava errado? Waters que não quer enganar ninguém, alerta que “isto não é um teste” (“this is not a drill”). A frase também pode ser traduzida como “isto não é um ensaio”, e de fato, o show ao vivo, assim como a vida não são ensaios. Podemos até nos iludir e pensar que estamos ensaiando, mas ela, a vida é sempre ao vivo, e tal qual o show pode nem sempre sair como planejamos. – Robert Moura.

A Rock Press também esteve presente no show de Roger Waters no Rio de Janeiro (leia aqui)!


ROBERT MOURA – É natural de Belo Horizonte. Doutorando em Música (UFRJ), mestre em Artes (UEMG) e bacharel em Música (UEMG). Fundador e professor da Alaúde Escola de Música. Tocou guitarra em bandas de rock na capital mineira, sendo a obra do Pink Floyd frequente em seus setlists. Atualmente, seu trabalho está focado no violão clássico e composição. Em 2021, lançou o EP digital “Ensaio Para A Morte” com a trilha sonora que compôs para a peça homônima, e em 2023 lançou os singles “A Rosa de Heitor” e “Júpiter e Marte”, compostas para a trilha da peça “Heitor”.

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