RODRIGO SANTOS – “Otimista, Consciente e Livre” – ENTREVISTÃO!

Rodrigo Santos está com álbum novo nas plataformas digitais. Intitulado “Livre”, o trabalho é o seu 11º disco solo. Toda a produção foi realizada durante a quarentena da Covid-19. Rodrigo gravou suas partes de vocais, baixos e violões no estúdio improvisado que montou em sua casa, no Rio de Janeiro. E recebeu colaborações de músicos, seja nas composições como nas gravações, de forma virtual, a partir de diversos locais ao redor do Brasil e do mundo como Venice, Califórnia, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Entre velhos e novos parceiros estão Guto Goffi, George Israel, Andy Summers, Roberto Menescal, João Barone, Mauro Sta. Cecília, Pedro Augusto, Leo Lachini e André Gimaranz. Seu filho, Leo Lattavo, participa de uma das faixas. Nesta entrevista à Rock Press, Rodrigo Santos falou sobre a feitura de “Livre”, como tem enfrentado o isolamento social, a atualidade política do País, e a perda do amigo e xará, Rodrigo Rodrigues.

TEXTO: Robert Moura
ARTE: Jorginho
FOTOS:
Michael Meneses e Lu Valiatti/VER+Fotografia

O baixista, compositor e cantor Rodrigo Santos acaba de lançar “Livre” (ouça aqui), um trabalho conceitual totalmente realizado entre os meses de abril e agosto, durante a quarentena de Covid-19, tema que orientou as letras do álbum. Ele mesmo se encarregou da produção. Compondo sozinho, ou ao lado de parceiros novos e antigos, Rodrigo apresenta canções que tratam das várias fases que viveu durante esse período. Momentos de introspecção, melancolia, tristeza e questionamentos estão presentes em “Livre” (Mauro Sta. Cecília/Rodrigo Santos), “Arca De Noé 2020” (Rodrigo Santos/Andy Summers), “100 Palavras” (Roberto Bruno/Rodrigo Santos), “Quando As Flores Chegam” (Rodrigo Santos/Andre Gimaranz), “Quem Sabe Mais” (Rodrigo Santos), e “Meu Navio É O Tempo” (Rodrigo Santos/George Israel). Mas, ele mostra também um lado revigorante de superação e esperança nas faixas “Retrovisor” (Rodrigo Santos/ Andre Gimaranz ), “Eu Vou Comemorar” (Guto Goffi/ Rodrigo Santos), “O Bem Que Se Quer” (Rodrigo Santos/Roberto Menescal), “Um Novo Olhar” (Rodrigo Santos), “Andei” (Rodrigo Santos/Andre Gimaranz), e “Tenho Você” (Rodrigo Santos/Johnny Zanei).

Conhecido, principalmente, por seus 26 anos tocando no Barão Vermelho, Rodrigo, também trabalhou com artistas como Leo Jaime, Kid Abelha e Lobão. Nessa longa entrevista para as nossas Páginas Psicodélicas, ele fala do novo álbum, “Livre”; do trabalho ao lado de Andy Summers e João Barone no Call The Police; e d’Os Britos, projeto com Guto Goffi (Barão Vermelho), George Israel (ex-Kid Abelha) e Nani Dias (parceiro desde os tempos da banda Front). Entretanto, foi a pandemia de Covid-19 que norteou a conversa. Em tom confessional, o músico falou como a experiência com o processo de abstinência para se livrar da dependência química o tem ajudado a lidar com o isolamento de forma otimista. E, em meio a considerações sobre questões sociais, comportamentais e políticas, Rodrigo nos revelou seu sentimento do mundo, como diria Drummond, em uma conversa muito sincera.

Arte: Jorginho

Como padrão da Rock Press, fizemos o mínimo de edição no texto para não perder a espontaneidade do papo agradável que rolou em uma tarde de segunda-feira vivida durante a quarentena. Sem mais delongas, vamos às palavras de Rodrigo Santos!

ROCK PRESS/ROBERT MOURA – O álbum “Livre” foi totalmente concebido durante a quarentena, e a questão da pandemia de Covid-19 permeia todas as faixas, o que acaba sugerindo algo como variações em torno de um mesmo tema, inclusive, com alguns versos que poderiam migrar de uma canção para outra. O verso “Ser livre é caminhar, tropeçar e levantar”, da faixa “Andei”, retoma a ideia do refrão da faixa-título “Ser livre é andar despreocupado e perambular por aí ou pode ser ficar em casa com você sem sair”. “Um Novo Olhar” cita a “Arca de Noé” que está no título de outra faixa, “Arca de Noé 2020”. “Retrovisor” também dialoga mais diretamente com elas. Como foi pensada a estruturação do disco, seria exagero vê-lo como um álbum conceitual?

Rodrigo Santos – Olha, foi muito legal você falar isso porque eu o considero um álbum conceitual sim. É uma das influências que sempre tive, tipo Pink Floyd, Beatles no Abbey Road, não me comparando, mas posso citar álbuns brasileiros como o “Cabeça Dinossauro” (Titãs). Gosto muito de álbuns conceituais e já fiz isso em outros discos. Tinha muitas músicas e acabei decidindo pelas 12, como conceito do disco, inclusive, tinha a música “Heróis de Carne” que é um single que compus com o meu médico Gustavo Gouvêa em homenagem aos profissionais de saúde. A gente fez em março, logo no começo da chegada da pandemia ao Brasil. Era uma coisa muito impressionante, a gente via as imagens que chegavam da Itália. Foi tudo com esse conceito e ela quase entrou no disco. O Gustavo estava fazendo a capa do “Livre”, e a gente já estava ligando o conceito à música “Livre”. A música “Andei”, que você citou, ia se chamar “Livre”, e foi a primeira música do disco que ia se chamar “Livre”. Quando compus a letra, tinha esse sentido que você falou. Inclusive, o disco ia se chamar “Livre” porque já tinham duas músicas com o mesmo título, só que uma ia se chamar “Livre (de Noite)” e a outra “Livre (de Dia)”. A própria “Arca de Noé 2020”, cujo refrão é “Todos querem ser livres, viver em harmonia num mundo melhor”. Então, tinha um conceito interligado realmente em algumas frases. “Um Novo Olhar” foi a primeira que fiz na pandemia, mais ou menos na época em que fiz “Heróis de Carne” e “O Meu Navio É O Tempo”. Tem épocas diferentes da pandemia sobre os sentimentos que fui vivendo durante esse tempo. É um disco bastante conceitual nesse sentido porque teve momentos em que estava mais trancado, pedalando no prédio, daí a pouco já pude ir à Lagoa Rodrigo de Freitas que é praticamente no meu quarteirão. Ia em horários bem vazios. E comecei a ver animais, tipo uma garça no meio da Lagoa, sozinha, parada bucolicamente em um dia nublado. Comecei a ver vários pássaros na ciclovia que nunca tinha visto na vida. Teve uma fase em que perdi o Rodrigo Rodrigues que era um cara com quem falava de dois anos para cá todos os dias. A gente estava montando uma dupla, Os Rodrigos. A gente tinha muito a ver, ficou aquele amigo mesmo. Não me lembro de ter chorado tanto, de ter tido um impacto tão grande, por ter acompanhado por “zap” com ele desde o dia que ele pegou o Covid até o dia em que ele não respondeu mais ao meu “zap”. E a gente falava várias coisas, como é que ele estava todo dia. Três dias depois que ele não respondeu mais ao meu WhatsApp foi o dia em que ele morreu. A gente estava muito grudado antes e durante a pandemia, montando o repertório para estrear o nosso show pós-pandemia. Isso foi no dia 28 ou 29 de julho, quando tive essa pancada. Com a parada dos shows, fiquei com o tempo livre para aprender outras coisas, para dar aula de violão e baixo. Montei um semi-estúdio com um microfone SM-58 e um PODX3 da Line6. E o programa é o Ableton Live, que, o meu filho mais velho que tem uma banda com o filho do Frejat e com o filho do Mauro Sta. Cecília, tinha no computador dele e instalou no meu. Fui montando, e no meio disso, compondo o material. Essa foi uma fase em que estava saindo um pouco mais, não para mercado, essas coisas, mas, já tinha feito um show em um drive-in, no dia 11 de julho. O meu show foi o primeiro em drive-in no Estado do Rio de Janeiro. Fui na maior “paranóia”, não quis transporte, que me buscasse. Eram duas horas de carro daqui, fui sozinho, de máscara. Levei várias máscaras. Uma máscara que eu tinha mandado fazer com meu nome e com “A Festa Rock”, levei só para fazer entrevista. É um estacionamento grande, então, ficou distanciado. Parei o carro e só subi na área de fazer o show, aí tirei a máscara, joguei álcool no baixo, no microfone. Levei o microfone que tinha em casa. O disco ficou sendo conceitual porque ele foi um disco living on time, né? Foi composto living on time mesmo. Compor foi uma forma de fazer coisas que gostava, de sobrevivência mental. É o que sei fazer. E o que eu mais sei fazer que é show, e estava impossibilitado. A turnê que teria com o Call The Police era em outubro. Aí passou para o ano que vem, depois da vacina, é claro. E para o “Faz Parte do Meu Show” (N. do A.: álbum com a obra de Cazuza em bossa nova) que tinha acabado de lançar em abril com o (Roberto) Menescal e Leila Pinheiro, também não podíamos fazer show. Faço muitos shows em pubs, festas fechadas de formatura, casamento, e isso tudo parou. Agora está começando a voltar. Para novembro tem pedido de shows em alguns clubes com protocolos. Se não for assim, eu não faço. Até porque sou obrigado a não tocar de máscara porque tenho que cantar. Isso aconteceu no drive-in também, mas no drive-in, já estava indo mais na Lagoa, minha visão estava mudando um pouco, até mais tranquila, já tinha surfado. Claro, chegava três e meia da tarde, quatro, na praia da Barra, onde não tinha ninguém. Parava o carro, andava já correndo até a areia, entrava na água, ficava duas horas pegando onda. Isso salvou a minha vida, aquela coisa da clausura, né? Você entrar no mar, um puta sol, não tinha nem muita onda, mas só de ficar ali, distanciado, pegando uma onda é uma benção. Fiz isso duas vezes, e logo depois o Rodrigo morreu. No dia, eu estava indo andar de bicicleta. Já estava chegando à Lagoa, no maior sol. Recebi a notícia pelo “zap” quando ia desligar para pedalar. Nessas pedaladas, ouvi muita música, vi muita coisa e fiquei com vontade em lançar só mais um single. Mas, tinha muita música chegando aqui. Parceiros me mandando canções sem letra, ou algum letrista que dizia “pô, pintou uma letra aqui que acho que tem a ver com o seu trabalho. Fui analisando tudo, e nas pedaladas fiquei observando muito o mundo, aquelas coisas que todo mundo fez. Esse foi um tempo para pensar, analisar a natureza respirando, os animais que saíram para as ruas em todos os lugares do mundo. Aliás, a música com o Andy (“Arca de Noé 2020”) era diferente. A gente tinha feito um reggae que falava de plástico no mar, de poluição marítima de maneira geral. Achava que essa letra não estava combinando com o conceito do disco, então joguei fora e fiz uma nova em um dia em que estava pedalando. Foi o dia em que vi a garça na Lagoa. Parei de bicicleta, emocionado, vendo essa garça parada nesse dia chuvoso. Não tinha ninguém. E eu vendo o fundo da Lagoa. Não que não estivesse poluída, mas ela parecia muito mais limpa. E estava realmente. Tinha poluição por baixo, aquela que ninguém vê, mas, por cima estava cristalina. Nunca tinha visto a Lagoa assim. Coloquei algumas músicas otimistas, outras saudosistas dentro do mesmo conceito. Otimistas têm “Eu Vou Comemorar”, o próprio nome “Livre” significa várias coisas como “andar despreocupado” que cito em outras músicas como “Retrovisor” que você falou, “as ruas ficam vazias”, “ciclovias pedalam distâncias”, faço umas metáforas assim que falam também daquele momento da Covid com as pessoas desconfiadas. O povo vendo quem está com máscara. Quem está sem máscara olha desconfiado para quem está com máscara. Mesmo quem estava ou não de máscara, todo mundo, tinha um olhar triste. Ao mesmo tempo o ar que se respirava estava um pouco mais limpo por conta da poluição. Nunca visto assim tão limpo. “Os olhos estão acordados” é como se fosse a máscara. Os “olhos vendados” são desconfiados, tipo, vou passar a dois metros de distância dessa pessoa, não podendo ter relações mais próximas. E na capa a gente quis registrar isso. O Gustavo deu a ideia da capa. Ia ser só uma pessoa, mas sugeri que fossem duas porque na letra de “Livre” falava de cor, de raça, de racismo, e queria que tivesse uma mulher negra e um homem branco, que fosse um casal que se ama tanto que está protegido com máscara e luva. De mãos dadas, mas protegido e não deixa de estar junto, sacou? Eles estão vivos por quê? Porque um está protegendo o outro. Então, digamos que eles estão livres da Covid naquele momento, livres do negacionismo, livres de várias coisas. A música “Livre” fala abertamente disso tudo. Ela foi composta perto do movimento anti-racista que explodiu no mundo todo por causa do George Floyd. Aqui no Brasil aconteceram coisas estranhérrimas em abril, naquela reunião maluca que foi vazada para a imprensa, aquela questão da Amazônia. Então, é livre disso tudo também, “um dia ainda quero ser livre, quero um País livre”. Tudo isso está dentro do contexto do conceito do disco, seja ele para o vírus ou não. É claro que fala mais do vírus porque estava vivendo isso. Ia lançar só mais um single, tinha composto “100 palavras”, era uma música que eu estava achando bonita. Aí o Décio, meu editor da Warner Chappell, falou: “cara, quando é que você vai lançar mais um single? Eu respondi: “estou compondo muito e estou querendo lançar singles, um atrás do outro”. Ele disse: “mas vai ficar muito pulverizado, grave um EP, pelo menos quatro músicas”. Já tinha “Heróis de Carne”, e eu, supostamente, na época achava que pudesse botar. Pensei em fazer mais três, tinha outras duas, lá no comecinho mesmo da pandemia. Tinha feito uma com Os Britos (N. do A.: Projeto em parceria com Guto Goffi, George Israel e Nani Dias surgido originalmente para tocar Beatles, mas que também passou a dedicar-se a canções autorais) que tinha subido para as plataformas digitais. Comecei a fazer muito clipe, muita live. Pouco a pouco com as músicas que estava compondo, um EP estava ficando pequeno. Pensei que a Covid poderia estar já mais branda pelo Rio, e é verdade, estava começando a baixar a curva. Meu médico mostrava os gráficos todos do Rio de Janeiro. Desde 26 de abril a curva estava descendo. Fui fazer o drive-in, fui até o Arpoador pedalando. Estava em um momento um pouco mais livre, nesse sentido, na minha cabeça. Completamente duro, sem shows. Eu fazia 4, 5 shows por semana. Essa é minha vida, e, de repente, virou tudo de pernas para o ar. Não tinha dinheiro para pagar as contas. O que me salvava era fazer esporte, ficar com a família, cuidar bem de todo mundo, e todo mundo cuidar bem de mim. A gente se respeitando, no sentido de só sair com máscara. E o tempo foi passando, fiz um teste de sangue, antes de fazer o drive-in. Deu negativo. Depois, fiz um na farmácia. Comecei a ficar meio paranóico. Esse da farmácia não serve para nada. Meu médico falou que esse e zero são a mesma coisa, é falso negativo e falso positivo, é 50% quase. É como se não fizesse nada porque pode ser falso negativo no mesmo percentual em que pode ser positivo, e pode ser falso positivo no mesmo percentual em que pode ser falso negativo. Não tem quantitativo, é a maior enganação, mas fiz e deu uma curva leve positiva. Fiquei 7 dias esperando para ver se iria ficar sem olfato, paladar e tal. No fim das contas, falei com a mulher da farmácia “ué, o que faço agora? Eu ia pedalar”. Ela falou: “então vai pedalar” (risos). Falei: “tá bom”. Liguei para o meu médico e ele falou: “Rod, esquece isso aí. Esquece esse teste. Foi fazer por quê? Estava sentindo alguma coisa?”. Falei: “Não, estou fazendo de curiosidade mesmo”. Ele falou: “Cara, isso não adianta nada, o único teste que adianta é o do cotonete que você faz quando está com sintoma ou dois dias antes quando vai fazer qualquer internato porque se não está com sintoma tem um prazo para você sentir alguma coisa ou contrair o vírus”. E nessa, fui seguindo as recomendações, e cá estou. Enquanto isso, fui escrevendo essas músicas. “Meu Navio é o Tempo” era uma música que estava fazendo quando a gente compôs “E o Sol Virá”. “Meu Navio é o Tempo” é com o George, e era para ser com o Guto e com o Nani porque a gente tinha feito uma bonita antes. Quando todo mundo estava “trancadão”, a gente resgatou o WhatsApp dos Britos, começamos a fazer uma música, lançamos ela no digital e já estávamos com umas 4 ou 5 engatilhadas. Nós temos essa parte autoral bem forte.

ROCK PRESS – Tem “Pra Tudo Acontecer”, no disco “Bem”, do Guto…
Rodrigo Santos –
Tem. A gente tem umas 15 músicas inéditas com Os Britos. “Pra Tudo Acontecer” foi feita em 2010. A gente tocava nos shows, aí o Guto pediu para gravar. Já tínhamos 5 porque a gente tinha feito o playback na segunda viagem que a gente fez para a Inglaterra. Em uma a gente gravou o DVD, e na outra o (Programa) Fantástico cobriu nossa viagem com o Zeca Camargo. Tocamos na Irlanda também. Nessa segunda viagem, levamos 5 músicas autorais que a gente tinha mixado no estúdio Toca do Bandido, do Tom Capone. Tínhamos levado uns playbacks para misturar com outras partes que íamos gravar lá com artistas convidados. Lançamos duas autorais. “Amor de Bicho”, a gente fez o clipe no Festival Rec-Beat lá no Recife quando voltou da Inglaterra. O Festival é um carnaval paralelo de Rock’n’Roll que acontece durante o carnaval de Recife. Nós quatro compomos muito. Fizemos outras para a segunda viagem à Inglaterra e acabamos nunca lançando esse material. Começamos a resgatar, a compor para Os Britos, logo que começou a pandemia, cada um estava precisando muito um do outro. Daí a pouco todo mundo estava fazendo muita coisa, só que separado. Tinha mandado duas que não estavam andando no “zap”, só o George tinha feito uma parte que era “O Meu Navio é o Tempo”. O Guto botou uma letra lá, eu fiz o A (N. do A.: primeira parte da música), esperei os outros continuarem a música, esse era o combinado, cada um faz uma parte para ser dos quatro, e parou. Ninguém estava andando com nenhuma das músicas. Estava gostando muito de “O Meu Navio é o Tempo” pelo o que ela significava para mim naquele momento. A coisa do “vai passar”, a hashtag “tudo passa”. Vieram outras músicas, mas peguei essa e falei: “Ô George, vou fazer o resto dessa música porque ninguém está fazendo mais nada, e estou achando a música bonita e quero gravar. Aí o George: “ah, mete bronca!”. Algumas músicas como “Eu Vou Comemorar” é uma ode clara à reflexão e aos novos tempos.

ROCK PRESS – Pegando esse gancho e voltando ao disco, tive uma leitura das músicas em pares de subtemas como “Livre” e “A Arca de Noé” abordando a liberdade; “100 Palavras” e “Quando As Flores Chegam” com um mergulho nas relações mais íntimas; “Quem Sabe Mais” (foto) e “Meu Navio É O Tempo” sobre perdas ou a passagem do tempo. Depois, fugindo dos pares, vem a sequência final, que poderíamos até pensar como um lado B de um vinil, pois é exatamente a segunda metade das 12 faixas com “Retrovisor”, “Pra Comemorar”, “O Bem Que Sequer”, “Um Novo Olhar”, “Andei”, “Tenho Você” que procuram manter o otimismo. Esse otimismo que já vem sendo uma tônica nos seus trabalhos é fruto das experiências de vida que você teve na vida como o seu processo de recuperação da dependência química? Está dentro disso, essa sua visão do mundo hoje?
Rodrigo Santos –
Está também porque usei o mesmo processo da abstinência que era um dia de cada vez. Estava acostumado desde 1984, e principalmente, na minha carreira solo a partir de 2007, a fazer 4, 5 shows por semana, viajar de avião toda semana, escrevia livros nos aviões, escrevia letras, era onde compunha. Basicamente, compunha cerca de 80% das minhas letras e músicas no avião. Estava sentindo muita falta de viajar, de estar na estrada em contato com o público. O drive-in já foi uma experiência emocionante, as pessoas dentro de carro buzinando, um lance incrível, faróis piscando, uma experiência “diferentaça” e me emocionei como quando fui pedalar na Lagoa a primeira vez. Para ver que existe vida, olhava o céu aqui, as estrelas, o sol, e falava “calma”, daqui a pouco isso vai passar. E foi isso que você perguntou, se tem um olhar otimista, né?

ROCK PRESS – Sim. Senti essa sequência final com um olhar muito positivo, apesar desse momento dificílimo que a gente vive.
Rodrigo Santos – É, a gente esta aí, né? Apesar de estar quebrado financeiramente, duro, sem shows, a maneira que encontrei de ter o meu lado positivo atuante foi compondo, montando coisas aqui de estúdio, gravando, dando aula. Isso foi muito bacana. Então, precisava falar dessa esperança da vacina como essa esperança de dias melhores. Todos os dias, acordava e falava “é mais um dia, é um dia de cada vez”. Usei a abstinência, como estava falando, o meu aprendizado para parar com álcool e droga, naqueles primeiros meses, principalmente. Agora também porque está perto da vacina, mas ainda falta. É mais ou menos como cito quando estava com 7 meses de abstinência. Eu me tornei coordenador na clínica com 9 meses. Coordenei 3 anos e foi muito bacana, me deu muita experiência para fazer palestras pelo Brasil afora. Mas, essa época dos 7 meses, entre o primeiro e segundo meses que são da empolgação. Quando fui com Os Britos para a Inglaterra, estava com 2 meses de abstinência, quando gravei o DVD do Barão (N. do A.: MTV ao Vivo), estava com 18 dias, quando fui com o Barão para os EUA, estava com um mês de abstinência. A fase empolgada de estar começando uma vida nova, de parar com aquela derrocada, aquela descida da ladeira. Isso tudo empolga. Quando chega entre 6 e 7 meses, a gente sempre pontua muito isso na clínica, quando começa a fase acima de 5, 6 meses, entre 5 e 10 meses que fica perto da pessoa comemorar um ano, isso empolga você a atingir uma nova marca. Isso aconteceu, de certa maneira, na pandemia. E usei a mesma ferramenta que estava usando no início da pandemia “calma, vai passar, um dia de cada vez”. Estava acostumado a fazer 3 shows na mesma noite, viajar, pegar avião toda semana, aeroportos, era o ritmo da minha rotina. E de repente, estava sem isso. Então, tinha que exercitar até inventar coisas para fazer, alocar um estudiozinho pequeno, fui exercitando o que aprendi na clínica, fiquei sem terapia esse tempo todo porque não podia ser presencial. E desde que parei de me drogar, tive terapia sempre. Eu completei 15 anos de abstinência no dia 2 de agosto. Sempre falo com a minha terapeuta no “zap”, recebi parabéns e tal.

ROCK PRESS – Digo o mesmo, parabéns!
Rodrigo Santos – Ah, valeu, obrigado. E aí, também não tinha passado essa experiência de ficar sem terapia. Na terapia, eu não falava de drogas mais desde o primeiro ano. É uma terapia normal, mas senti falta. Era uma vez por semana. Fui nos primeiros 5 anos dos 15 da abstinência, 3 porque estava coordenando, tinha que estar lá como coordenador. Em reuniões em grupo, já não ia há muitos anos, mas a terapia eu mantive, é uma coisa bacana da minha vida. Está todo mundo em casa trancado. Só que tenho uma família muito bacana, meus filhos, minha mulher, a gente é muito tranquilo. Teve um lado intimista. Quando veio o baque da perda do Rodrigo Rodrigues, pedalei na rua chorando duas vezes. Fiz a música na madrugada do dia em que ele morreu. Compus à noite porque não estava conseguindo dormir porque isso para mim foi uma porrada muito grande. Talvez seja a música mais impactante do disco nesse sentido. Não estar conformado com aquela rapidez, não poder se despedir, a agonia de não poder entrar com a pessoa no hospital, não poder estar junto, se despedir, enterrar, fazer velório, é muito duro. O ser humano não tinha vivido isso, uma coisa que isola as pessoas umas das outras. Quando perdi o Rodrigo Rodrigues, pensei: “vai vir uma segunda fase, a fase positiva”. Mas, quando veio a segunda fase que seria a segunda fase de abstinência, digamos assim, aí rolou um “e agora? Quando é que chega a vacina? Vai chegar em novembro, dezembro, janeiro? Qual é a vacina que vem?”. Porque as pessoas começaram a relaxar pela diminuição do número de mortes, os médicos aprendendo a lidar melhor com a Covid, com remédios, coquetéis e tal. Pô, e no meio disso tem o negacionismo, a Amazônia, a reunião dos ministros, aquela coisa toda do AI-5. Isso me deixou maluco em abril. Estava desesperado em março, abril, maio, aquele momento, falando assim “não é possível que isso esteja acontecendo também”. Além de tudo, a cloroquina, essa palhaçada toda que vinha lá do Trump vendendo cloroquina. Eu comecei a ficar muito puto.

ROCK PRESS – E diante dessas atitudes das chamadas autoridades, a gente acabou vendo muitos artistas tomando uma postura de responsabilidade. Não todos, obviamente. Mas, enquanto, autoridades da política, segurança, ou os chamados “chefes de família” (e aqui gostaria de colocar muitas aspas) agiam de forma inconsequente, desde o direcionamento de verbas, o descaso em relação ao Ministério da Saúde e o aparente desmonte do SUS…
Rodrigo Santos – É trágico. Dois ministros da saúde demitidos que estavam olhando por uma linha de preservação.

ROCK PRESS – E a própria população não usando máscaras, reunida em festas, bares, frequentando academia clandestina…
Rodrigo Santos – Isso a gente está falando em maio, já era assim.

ROCK PRESS – Pois é. Achei isso uma coisa marcante porque artistas e profissionais de outras áreas, como jornalistas e professores é que acabaram chamando essa responsabilidade para si orientando as pessoas…
Rodrigo Santos – E foram ameaçados por isso.

ROCK PRESS – Exatamente! Ou ainda exaltando o trabalho dos profissionais da Saúde como você fez na música “Heróis de Carne”. Vivemos um momento de uma hipocrisia escancarada, uma inconsequência avassaladora por parte dessas autoridades ou pelo menos autoridades burocraticamente falando. Em relação aos governos estaduais e municipais, o Rio de Janeiro é um exemplo disso. Como você tem visto esse momento político que a gente está vivendo, principalmente nesse contexto caótico do Rio?
Rodrigo Santos – Aham, o Rio misturou um montão de coisas, a história recente que agora está se confundindo com Governos, Prefeituras, Secretaria de Saúde, falência do Estado. Estamos atravessando um momento em que não pode confiar em ninguém porque tentaram esconder os números em certa hora, assim como o Governo Federal fez. Teve que abrir um consórcio da imprensa, graças a Deus. A gente vem de momentos muito desesperadores entre março e junho, foi uma coisa tão louca. Aqui é apenas uma consequência de más administrações. Talvez, no começo, o não negacionismo do governador e do prefeito, em relação ao que vinha falando o presidente, “não, aqui tem que fechar” porque começou a ficar uma briga clara na cabeça das pessoas que o presidente queria dizer uma coisa e o governador outra justamente porque quer se contrapor para tentar se eleger presidente ali na frente. Ficou uma coisa assim, um cara vai falar “A”, o outro vai falar “B”. Só que de certa maneira todos estavam errados porque você pegar o dinheiro da saúde e desviar verba na cara dura e fazer hospital de campanha que não serviu para praticamente nada, e depois descobrir aquele desvio de verba nos hospitais de campanha, isso é um descalabro. E nessa briga política, esse crime feito pelos governadores, tanto que no Rio o governador foi afastado. E vem agora se descobrindo coisas do prefeito, o que não é diferente desses últimos 25, 30 anos, que se descobriu milhões de pessoas fazendo alguma coisa, não é à toa que todos estão sendo presos. A gente começou a ver que estava à deriva. E como você fica à deriva, nesse sentido, você não sabia se estão cassando todos os políticos que podem concorrer à presidência depois. Isso pode acontecer em todos os Estados. E os políticos dão motivos para isso. Então, o presidente falou: “botamos a culpa nos governadores porque o STF é que deu autonomia para que cada governador de Estado decida o que vai fazer”, mas, obviamente que as aparições do presidente fazendo aquele circo todo, em cima do cavalo, sem máscara, aglomerando gente na porta do Palácio quando ninguém saía para protestar com receio de sair e respeitando o isolamento. Aqui, no Rio, não podia ter protestos, passeatas, não podia ter nada, a não ser quem fosse negacionista porque estava seguindo o chefe. Isso começou a gerar muita briga na rede social, muita discussão em grupos do WhatsApp que estavam unidos no começo da pandemia, todo mundo com saudades, espalhados pelo mundo. Tem grupo no qual falei: “gente, vocês estão negando que está rolando uma pandemia?”, “Não, isso é coisa da OMS”. Começou um negacionismo geral. Por mais que a OMS tenha feito uns erros de estratégia é a Organização Mundial de Saúde. E ficou uma briga de esquerda e direita no meio de uma pandemia. Aqui no Rio, sofremos triplamente com isso porque o Estado já estava quebrado, as pessoas começaram a “ligar o foda-se” que é a manchete geral do carioca nesse momento. Primeiro, o Rio já é diferente dos outros Estados, tem muita comunidade, tem muita gente que não tem nem onde morar, é todo mundo concentrado no mesmo ambiente, não chegaram as testagens, os hospitais de campanha não ficaram prontos, os respiradores não chegavam. Depois descobriram tudo superfaturado, as pessoas começaram a não aguentar, não confiar mais em político nenhum e falar assim: “Quem é esse cara que vai me mandar sair da praia?”. O povo em geral, qualquer classe social que está desesperada de ficar em casa, e passa o tempo e o governo não fala nada, nem o federal, nem ninguém. E os casos de Covid continuam e vão para outros lugares do Brasil. A média geral do país continua a mesma, com platô lá em cima de quantidade de mortes, então tem que segurar. As pessoas não pararam de viajar. É como se a gente não tivesse em uma pandemia. Tem pessoas que conheço que estavam viajando de avião naquela época de maio que me falavam que chegavam ao aeroporto e não tinha protocolo nenhum, faziam o embarque normal. Tinha político que não acreditava nisso. Tem político que se aproveitou disso para ganhar dinheiro, para fazer caixa 2, vender respirador, fazer hospital de campanha, botar dinheiro debaixo do pano. Nada diferente do que já tínhamos visto com outros políticos. A gente estava vendo que não tinha respeito nenhum pela vida humana. As pessoas só estão pensando em reeleição, na política e mais nada. Com isso, uma parte da população totalmente má educada, seguindo um exemplo que não sei qual é, se sentiu no direito de sair para a rua sem máscara, de se aglomerar em bar, e agora é esperar, ver se a curva sobe ou não sobe.

ROCK PRESS – De maneira geral, vejo que tiveram dois recortes em relação à população. Um que é de uma ignorância, no sentido de uma falta de compreensão mesmo do que estava acontecendo. E outro lado que é o da arrogância. Você falou sobre as autoridades, e vi isso pessoalmente, uma pessoa falando: “se o presidente não usa, eu não vou usar máscara”. Mas, tem pessoas com arrogância, egoísmo, com uma postura de “eu não me importo, eu vou para a academia clandestina”, “vou fazer o meu churrasco”, “vou me reunir”. Falo de pessoas que têm um entendimento da seriedade do caso, mas ainda assim a prepotência reinou.
Rodrigo Santos – É impressionante, até hoje. A gente continua tendo o mesmo procedimento aqui. Eu, minha mulher e meu filho saímos de máscara, distanciados, como terá que ser até a vacina. Se for fazer um show, só vou aceitar se tiver uma distância do palco para a platéia, se tiver um procedimento de segurança básico. Isso porque todo mundo está precisando trabalhar, e mesmo assim, se pudesse não trabalhar, eu não sairia, a não ser para fazer esporte ao ar livre porque é saudável pegar sol, recomendado pelos médicos, se não estiver aglomerado, se estiver bem protegido. Essas pessoas que vão para bar, é aquele típico adolescente egoísta ou o velho egoísta, não sei…

ROCK PRESS – Um adolescente velho.
Rodrigo Santos – É, exatamente, o adolescente velho. Esse cara do Leblon, da Barra. Pô, na hora em que passei de carro na Barra, eu e meu filho fomos dar um mergulho. A gente saiu do carro, minha mulher ficou no carro. Demos um mergulho e ficamos dez minutos dentro da água, em um local mais vazio, pegamos um solzinho. Fiquei pensando como vai ser daqui para frente com essas pessoas negacionistas. Quando voltei de carro vi aqueles bares lotados em frente à praia. Isso já estava desde abril, todo mundo sem máscara. Uns dois meses depois que começou a lotar os bares no Leblon. Mas, na Barra parece que nunca teve pandemia. Ao mesmo tempo é engraçado porque, na Lagoa, quando pedalo, 98% das pessoas estão de máscara. A classe artística tomou uma pancada muito grande. Quem já ganhou muito dinheiro, beleza, fica aí um ano sem trabalhar. Quem trabalhava sempre para manter a família que é o meu caso com 4, 5 shows na semana, 3 na mesma noite, sentiu o baque legal.

ROCK PRESS – Pois é. Isso que eu quis dizer na pergunta, e que orgulho por ser também da área artística. Exatamente essas pessoas das mais prejudicadas são as que estão defendendo o isolamento. Você sem poder tocar, sem poder fazer show, assim como outros artistas que estão defendendo isso e chamando a atenção das pessoas para elas segurarem um pouco. E outras áreas, por exemplo, do comércio que, às vezes, poderiam abrir mão, até um pouco mais do que um artista independente que vive de tocar, do seu show do dia, não cedem.
Rodrigo Santos –
Exatamente, não sei por que isso. Mas, tenho um orgulho de ser da classe artística, e você sendo da classe jornalística, e os médicos serem da classe médica, as pessoas que foram ameaçadas nesse tempo de pandemia. Não sei, as pessoas falam que vai sair melhor depois disso tudo, e estou vendo pelo contrário. Vi coisas assustadoras no ser humano de uma maneira em geral. Mas, acho que a gente vai sair melhor porque sairemos dessa situação de clausura. A gente vai sair bem feliz, digamos assim, com uma vacina. Mas, pô, esses negacionistas de vacina também que já querem fazer voltar sarampo e o caramba, é um absurdo. Aí vem o presidente e fala: “ah, ninguém vai ser obrigado a tomar vacina”. Isso é de uma irresponsabilidade, eu não sei como não rola um afastamento por ameaça à saúde pública.

ROCK PRESS – Ah, tem muita coisa por trás. Tem uma força muito grande sustentando uma pessoa que não tem nenhuma capacidade intelectual para estar ali.
Rodrigo Santos – Não tem capacidade. Vai lá e fala do Líbano, mas não fala das 100 mil mortes. Fica negando, dizendo que venceu a Covid pelo percentual. O percentual é enganoso, muita gente morreu em casa, não chegou nem a ir ao hospital. Tudo bem, pode ter muito mais casos, pode ser que o Brasil tenha um percentual baixo, mas são 130 mil mortes, sem a gente saber as que não foram notificadas. Como vi pessoas muito próximas indo, sei como é a velocidade e a voracidade dessa doença. Ficar dizendo isso e não fazer homenagem nenhuma a essas pessoas. Não foi feita homenagem, por exemplo, pela Regina Duarte (então, Secretária da Cultura do Governo Federal) ao Moraes Moreira. Morreu muita gente.

ROCK PRESS – Aldir Blanc.
Rodrigo Santos – Flávio Migliaccio. Tem que fazer uma homenagem daqui a alguns anos a todo mundo porque foi muita gente mesmo. O Serginho Trombone que tocava com o Barão foi um dos primeiros. A gente está no meio de um país desgovernado em todos os sentidos. Está vendo acontecer um montão de coisas e não sabe quantos anos isso vai durar, se vai ter reeleição ou não. Mas, o problema não é esse. Quem votou no presidente e está feliz, beleza, é uma democracia, graças a Deus. Acabou aquela maluquice de AI-5.

ROCK PRESS – Mas, por um pouquinho, eles querem voltar com isso.
Rodrigo Santos – Eu acho que podem, mas acho também que as pessoas vão poder ir para a rua protestar. Uma coisa que não estava podendo fazer por causa desse efeito. Só superar essa Covid já é lucro, é uma vitória sairmos dessa porque depois o resto com saúde a gente consegue tudo. Mas, é tanta coisa que não podia deixar de lançar um disco. Eu, como artista, é como você falou, cara, a nossa classe, nós todos, incluindo jornalistas também, a gente que está sendo boicotado…

ROCK PRESS – Não quero te enganar, eu sou mais músico do que jornalista. (risos).
Rodrigo Santos – Ah, garoto! Pode crer! Pô, é verdade, estamos juntos no mesmo barco. Agora já tem casa noturna abrindo em Floripa, sei lá onde, com os protocolos. Acho que em novembro, dezembro está chegando uma hora de ter mais eventos. Só para resumir, no disco, a parte do avião lá com o Menescal, também quis incluir parceiros novos. Fiz três com o Andre Gimaranz, o “Retrovisor” é uma das músicas que mais gosto porque ali é otimista também. Ela fala, “Olho no retrovisor, vejo o mundo que se foi, mas vejo a vida chegar pra ficar, vai passar” (cantando). É aquele mundo que a gente imaginava que nunca aconteceria, com a gente pelo menos, da pandemia, é o mundo que se foi porque daqui a pouco vai vir uma nova realidade, mas vai vir também a velha realidade. O normal vai ser o normal mesmo, não vai ser o “novo normal” não. Muitas das letras foram muito conceituais, segmentadas para não esquecer aquele momento ali vivido. Por exemplo, “as ruas da cidade estão desertas” (cantando), a cidade só, foi feita a partir da frase de um amigo que veio de Teresópolis para comprar comida no supermercado para levar para a mãe dele. Ele falou: “Caralho! Cruzei o Rebouças e a cidade vazia”. E era verdade, falo isso em algumas letras, só que não está mais assim. Desde julho tem trânsito em tudo quanto é lugar.

ROCK PRESS – Quando você começa a citar os pássaros, os animais em “A Arca de Noé 2020, embora não ache que a sua letra foi apocalíptica, me veio à mente a imagem final do filme “Os Pássaros”, do Hitchcock. Só que eles dominaram a cidade em outro sentido. Mas, me veio essa imagem porque aí o homem sai, saem os carros, então eles podem ocupar esses espaços que a gente, normalmente, não permite.
Rodrigo Santos – Os espaços são públicos, inclusive para os animais (risos). E eles fizeram a festa. É uma música que teve um clipe engraçado de animação. Uma animação do jeito que se dá para fazer sem grana. A ideia do clipe é o cara dentro do grid gravando o disco, preso na tela do computador, já que no mundo lá fora não dá para ir. Ele está andando dentro do grid da música “A Arca de Noé” que eu fotografei, e ao mesmo tempo é um desenho animado meio fofo com os animais brincando onde eles apareceram. Pesquisei os animais que apareceram em todos os lugares do planeta para poder fazer a letra. A exceção é a baleia no Arpoador, “a baleia se esbaldava no Arpoador”. Na verdade, as baleias apareceram em alguns lugares, não no Arpoador. Ou apareceu uma no Arpoador? Não lembro. Mas, isso acontece de vez em quando, foi mais para ter aqui também, como começo falando do Rio de Janeiro, queria ter mais coisas do Rio na música que é a cidade em que eu vivo. Em relação às fases da pandemia, a fase 2 é aonde começa a funcionar o disco. Por exemplo, “Eu Vou Comemorar”, comemorar o quê? O fato de a gente estar passando por isso, estar conseguindo proteger as pessoas. A gente que tem essa consciência um pouco maior do que outras pessoas. Não estamos imunes, eu falo em “Um Novo Olhar”: “Não somos imunes, somos humanos, não somos cardumes, mudaremos os costumes”. E a gente mudou os costumes. Estamos acreditando que, ali na frente, a coisa vai voltar, para a gente poder se encontrar, fazer entrevista presencial, eu fazer terapia. E a vida não pode abalar, tem que seguir em frente, então, “Eu Vou Comemorar” é a música que gosto mais de ouvir hoje em dia quando estou pedalando.

ROCK PRESS – Aproveitando que você falou de “Eu Vou Comemorar” que é parceria sua com o Guto, durante o período do Barão, vocês só chegaram a fazer “Cara a Cara” juntos?
Rodrigo Santos – É, durante a banda, sim. A gente fez algumas músicas separadas que não entraram nos discos do Barão.

ROCK PRESS – E ela acabou batizando a sua autobiografia. Como que foi o encontro agora para fazer essa música? Você falou que já mantinha o contato com ele pelos Britos, como que rolou essa ideia da música para o disco?
Rodrigo Santos – É, foi isso, fiz uma com o George. Depois, o Guto me escreveu um dia, acho que foi a última música que fiz para o disco. Estava de bobeira, tinha encerrado, já estava mixando o disco. Aí o Guto falou: “E aquela nossa música que a gente tinha feito para o Barão?”. Mas, eu saí do Barão depois, em 2017. Tinha feito uma música com ele para entrar no disco do Barão. Estava todo mundo compondo, tanto que depois botei uma música que é minha e do Rodrigo Suricato no meu disco “Desacelerando”. Tinha música que eu estava fazendo com o Maurício (Barros), e depois usei a letra para fazer outra coisa. Aí falei: “Guto, não lembro onde está aquela música não, vou dar uma procurada no áudio”. Quando achei, falei: “Cara, essa letra não tem a ver com o disco, e esse ele está muito conceitual, é um disco para não esquecer”. Tanto é que fiz até o encarte, vou lançá-lo em físico.

ROCK PRESS – Tenho visto alguns trabalhos recentes com uma parte gráfica tão bacana que já perdia muito no CD, e agora nas plataformas digitais fica aquela coisa muito pequenininha, e quem não vê a arte em uma definição maior em outro lugar perde todo aquele trabalho.
Rodrigo Santos – É verdade, esse disco foi feito para ter também uma capa de LP, quem sabe, quando tiver grana para fazer. Eu fiz o “Desacelerando” em físico, fiz o Cazuza em bossa, e lancei um disco em abril e outro agora. O Cazuza em bossa nova, a Som Livre lançou em físico. Pretendo lançar, tanto é que preparei ficha técnica, de agradecimento, encarte inteiro, foi tudo feito com o maior carinho. Mas, é o que tenho falado, hoje em dia, como o meu próprio livro que está pronto, o “Diários da Estrada”, que acabou tendo um capítulo do drive-in que não teria e da pandemia, o livro terminava no último show que fiz em março porque veio a pandemia para acabar com os shows, já tinha 350 páginas, e resolvi segurar para lançar junto com “A Festa Rock”. O encarte é para falar assim, olha, não vende mais CD, talvez não tenha mais CD, não sou aquele cara que vai ficar nostálgico, mas, acho que as informações são sempre válidas. Voltando ao Guto, ele falou assim: “vamos fazer a nossa”. Então, eu disse: “faz o seguinte, me manda outra letra agora, mas com esse conceito que tenha a ver com o disco porque não vou botar nada que não tenha a ver com o que estou pensando agora”, esse é um disco de momento mesmo, ele pode até ficar eternizado por ter esse lado conceitual, é bom que tenha o lado positivo e o lado negativo, o da esperança e o bucólico meio contemplativo porque, talvez, seja o disco que eu mais curta ouvir da minha vida e carreira, por representar um momento no qual eu tinha que desabafar. Tinha que registrar porque o artista pode ter perdido tudo, mas não perde a criatividade. A cabeça tem que estar funcionando. Não adianta tentar cancelar direito autoral, ainda teve isso, né?

ROCK PRESS – Pois é, brincadeira, cara!
Rodrigo Santos – Aí eu falei, “ah é? Então, a arte vai andar para frente, foda-se, não quero nem saber, vocês estão querendo destruir todo mundo? Pois eu vou seguir e fazer o que sei fazer!”. Tanto é que fiz a música com o Guto. Ele me mandou uma letra, e fiz a música na hora. Uma harmonia que não costumo fazer, descendo de bemol para bemol, acho que por estar dando muita aula de violão isso me influenciou.

ROCK PRESS – É provável. Achei interessantíssima essa harmonia, tem uns acordes diminutos ali no meio…
Rodrigo Santos – Tem. Tinha até mais, porém, resolvi transformar alguns acordes em maiores para dar uma diferença. Mas, no refrão, fiz de primeira, todos os acordes foram saindo, fui cantando a melodia e descendo. E o Guto me mandou uma letra que não tinha divisão de partes, parte A, B, refrão, não tinha separação. Ele fez tão rápido que me mandou as frases seguidas. Eu não sabia onde começaria o refrão, qual poderia ser o B, o que ele achava que era o B, o que repetiria, porque nada na letra repetia. E o que fiz? Comecei a tocar (Rodrigo solfeja a melodia da canção) e fui nessa direção descendo (a escala) e uma hora chegou no “Lá”, tinha uma sétima maior também, estava até parecendo meio samba assim, uma harmonia meio chicobuarquiana. Quando chegou no “Lá”, falei, aqui é o refrão, e aí já vinha a frase “Então eu vou comemorar”, essa é a frase do refrão porque é exatamente o que quero falar nessa canção que é um pouco mais para cima no disco. Tem que comemorar mesmo porque a gente está conseguindo passar por isso, e vai conseguir. O refrão saiu de primeira. Foi uma música que simboliza a virada do disco. Essa e a bossa nova com o Menescal que fala do meu gosto de viajar de avião, “O Bem Que Ser Quer”, a gente continua aqui querendo o bem do outro, o bem de si mesmo. E o bem de si mesmo é produzir, criar, não deixar ninguém dizer que você não vai conseguir fazer porque você está duro. E isso já aconteceu em outras fases da minha carreira. Ah, estou duro. Eu estou duro e fiz o meu segundo disco. Estava devendo muito no banco e consegui fazer “O Diário do Homem Invisível” com o custo quase zero. Esse também com a ajuda dos amigos. Muitos gravaram em Minas, o pessoal que estava tocando comigo porque montei vários power-trios pelo Brasil para poder viajar na época em que estava em crise, antes da pandemia até, só mandando uma passagem aérea. Montei bandas para fazer festas e aí só precisava de uma diária de hotel e uma passagem aérea. E assim voltarei a fazer coisas porque já está pintando. Gravei algumas coisas com o Glauco, batera do Pato Fu, e com o Leozinho Lachini que era do Tianastácia que também está gravando “A Festa Rock” comigo. Fiz essa parte positiva do disco com músicas que tenho um xodó especial. Gosto muito da última música do disco que é o “Tenho Você” que é quando a gente pensa “mesmo assim será que eu consigo manter a sanidade, será que eu consigo ficar bem, ah, eu não sei, eu tenho você, você me acalma”. Então é isso, as pessoas que a gente ama, tem esperança, a gente pode estar sem dinheiro para fazer o melhor disco, no melhor estúdio com o melhor microfone, mas saiu um disco do jeito que estava aqui mesmo. Pessoas gravaram algumas coisas em outros lugares, nas suas próprias casas e foram muito parceiras, generosas.

ROCK PRESS – O que é interessante porque valoriza a essência da música também.
Rodrigo Santos – Exatamente. Tem isso também, valoriza. O que é música? Música é você ter ideias, andar para frente com aquela canção, não deixá-la ficar esquecida no teu quarto. Pode ser um livro de poema, pode ser qualquer coisa, mas a essência da música é o encontro também. O encontro agora é virtual, mas é o encontro que tive o ano passado com milhões de músicos e pessoas diferentes. São músicos maravilhosos, fantásticos, tocam para caralho, tem ideias maravilhosas. Esses caras gravaram no meu disco. E mais ainda, estou finalizando “A Festa Rock”. Ia fazer só o volume 2, só que fui fazendo tantos medleys aqui nos fins de semana passados…

ROCK PRESS – Vi que você vai fazer os volumes 3 e o 4, né?
Rodrigo Santos – 2, 3 e 4, se vacilar, o 5 (risos) porque está pintando mais medleys. Só que acho que não vai dar tempo do 5. “A Festa Rock” 2, 3 e 4 são quase uma continuação da música “Eu Vou Comemorar”. Está pintando convites para fazer esses shows distanciados em gramados, ao ar livre. Acredito que em dezembro, janeiro, a gente tenha alguma vacina. Eu tenho muita esperança que isso aconteça. Vou continuar com essa esperança guardada dentro de mim e transformá-la em chamada: “Venha!”, “Livre!”, “Festa!”. É tipo isso. “A Festa Rock” 2, 3 e 4, eu gravei uma parte com uma galera de Floripa que toca comigo lá, o batera e o guitarrista. Uma parte com uma galera de São Paulo, outra de Minas, do Rio que é o Gustavo Camardella e o Lucas. Pedi para quem tivesse pano verde para se filmar, fazer Chroma Key que depois eu dava um jeito de montar uns vídeos com a gente como se fosse “A Festa Rock, vol.01” porque nele acabei botando público no CD e no DVD, e agora está difícil, não sei se vou botar público ou não. Minha única dúvida é essa porque gravar as pessoas nas suas casas, cinco pessoas que morem juntas, por exemplo, gravando no iPhone. No meu terceiro disco, “Waiting On A Friend”, já fiz um clipe que era todo mundo mandando suas próprias coisas. Mas, para cantar um coro tinha que ter assim, umas cinco galeras que morassem juntas em casa e que cantassem todos aqueles 40 medleys que fiz, de uma vez só. Quando fiz “A Festa Rock 1”, eu coordenei o público no estúdio, “vamos dar um gás, agora é hora do refrão”. Levantei o público como se fosse um maestro, assim com a mão, e a gente repetiu isso para ter mais força e dobrar vozes e eram umas 15 pessoas. E agora teria que fazer por iPhone, e não sei se isso vai ser tão legal. Talvez, esses volumes 2, 3 e 4 sejam as músicas mesmo preparando para a volta dos shows e festas que é o que pretendo fazer muito daqui pra frente, se tudo correr bem, obviamente.

ROCK PRESS – E como foi a participação do seu filho, Leo Lattavo, em “Um Novo Olhar”?
Rodrigo Santos – Ele gravou uma guitarra diferente (Rodrigo solfeja a melodia da guitarra), ficou bacana para caramba. Mais do que isso, ele montou o estúdio aqui comigo. Facilitou minha vida porque no começo eu estava gravando voz para Os Britos no iPhone. Aí que montamos o estúdio que, na verdade, não é um estúdio. Para gravar, tenho que fechar a janela. Para a voz não tenho um microfone Neumann, tenho um SM-58, você não pode cantar de qualquer lugar, tem que estar perto dele como se fosse em um show. Fica mais verdadeiro nesse sentido. E alguns tecladistas participaram do disco. O Pedro Augusto que toca com a Paula Toller. Se tiver que dar destaque para alguém nesse disco, é ele, o Leo Lachini e o André Gimaranz que foram músicos muito presentes.

ROCK PRESS – Falando nos músicos, senti falta, no disco, do Fernando Magalhães que, talvez, seja seu parceiro mais frequente, tanto tocando quanto nas composições. Teve algum motivo para ele não estar nesse?
Rodrigo Santos – É, já me falaram que a “A Arca de Noé 2020” lembra a música “Efeito Borboleta” (N. do A.: parceria de Rodrigo com Fernando), e falei para a pessoa, é porque você não sabe quantos cordéis e pergaminhos de letra eu tenho aqui ainda. Estão guardadas músicas que tem 4 folhas de letra. Tem uma música chamada “Zeca Stradivarius” que ainda vou lançar que é enorme, gigantesca. Mas, o Fernando, eu poderia ter chamado. Poderia ter chamado mais guitarristas que tocam comigo, o Billy Brandão, o Guilherme Schwab. Mas, o disco foi muito rápido. Comecei a pedalar escutando muito som, e no meio disso fui fazendo algumas letras em relação ao que estava vivendo. Quando resolvi gravar foi por conta. O André Gimaranz, por exemplo, gravou três músicas e acabou fazendo um pouco de arranjo porque ele gravou a parte eletrônica em “Quando As Flores Chegam”, “Andei” e “Retrovisor”. Então, ali meio que já formatou eu e ele na produção, e ele era guitarrista e já gravava os violões. O Camardella toca comigo, produziu meu último disco junto comigo que é o “Desacelerando”. Tinha que mandar alguma coisa com ele, mas ele estava meio sem tempo, dando muita aula. Mas, consegui no final que ele fizesse o “Meu Navio É O Tempo” e “Eu Vou Comemorar”. O Menescal, acabou sendo ele a tocar comigo. Só há nós dois na canção. Até pensei em botar cordas, piano, mas resolvi não colocar nada. E o Menescal foi o cara dessa música. A gente não tinha uma parceria, e queria que tivesse. Nós vamos fazer muita coisa junto, não só com a Leila Pinheiro, mas outros projetos que temos. Com o Andy foi um registro do Call The Police, resolvi chamar o Barone. A outra música que eu fiz com o Andy está no “Motel Maravilha” (N. do A.: “Me Dê Um Dia A Mais”), e tinha outras coisas com o Andy aqui, mas achei essa mais legal para o disco porque ela tinha um clima bacana e ela me remeteu a fazer essa letra. Para resumir, pretendo gravar discos com o Fernando. Pretendo gravar uma trilogia que a gente ia fazer. O “Efeito Borboleta” foi o primeiro. Mas aconteceu muito rápido como te falei. Fiz três músicas com o André Gimaranz. Uma para o Rodrigo Rodrigues que é só minha. “Um Novo Olhar”, já tinha feito no começo da pandemia. Para o Mauro Sta. Cecília falei que queria uma letra falando de “livre” e algumas coisas, e ele fez. A do Guto surgiu no final. Já tinha muita música, não sabia se fazia o disco com 11 ou 12. Com o Menescal já tinha rolado. “Tenho Você” que é última do disco, fiz com o Johnny Zanei da banda Os Spoilers com quem estava dando canja no final do ano passado fazendo muitos shows pelo Brasil. Eles convidam o Nasi, o Sérgio Brito, o Otto, e eu para cantar. Tinha feito quatro músicas com o Johnny e escolhi essa para entrar. Queria ter uns parceiros novos e outros mais antigos. “100 Palavras”, eu fiz com o Roberto Bruno que é um amigo batera que joga bola comigo e é roteirista e ator. Ele foi o primeiro que me mandou. E era “100 Palavras” que tinha exatamente cem palavras. Depois, mexi um pouquinho porque queria mudar um negocinho aqui, outro ali. Não ficava com cem palavras, mas gostei do nome da música que era um duplo sentido porque é “sem palavras” também. Fiz essa música em um minuto, e foi uma das melhores músicas que compus. Acho bem legal a estrutura musical dela. O refrão é bem diferente do B que é bem diferente do A. Então assim, os parceiros estavam ali já e não deu tempo de fazer música com o Fernando. Até tinha outras com ele guardadas, mas não eram dessa época. Queria colocar só músicas feitas agora na pandemia e já estava tirando música, aí não rolou. A gente vai deixar para fazer no próximo álbum da nossa trilogia.

ROCK PRESS – E como está sendo essa experiência com o Call The Police com você se encarregando do baixo e do vocal sem deixar que soe simplesmente como um cover do Police? Como é trabalhado isso, principalmente para você, quer dizer, para o Barone também, mas você acaba tendo uma responsabilidade grande pela questão do vocal.
Rodrigo Santos – Isso aconteceu naturalmente porque conheci o Andy antes até da gente montar o Call The Police. Já tínhamos feito duas turnês. Era uma “responsa” muito grande, eu me dedicava muito. Tive um aprendizado nesse tempo que foi quando estava fazendo academia, eu levava todas as turnês do Police em uma playlist e ficava escutando. Mas, não queria ficar igual ao original. Já tem uma tendência a ficar porque a gente se baseou em algumas turnês, mas tentamos misturar o arranjo da turnê de 1983 com o da turnê de 2008. E a “responsa” que tenho comigo mesmo é maior do que a que o Andy joga para mim porque ele me acha um puta cantor, um puta baixista e uma pessoa que ele ama. E eu vice-versa. Só que ele tirou essa coisa da minha cabeça já na primeira turnê que fiz com ele, senão ele não continuaria fazendo e me mandando músicas para compor junto. Mas, essa responsabilidade eu tenho comigo. E o Barone, pô, quando a gente o colocou, aí ficou perfeito porque ele sabe tudo. E as pessoas me ligavam muito ao Barão, mas antes de ser do Barão, toquei com o Leo Jaime, os Miquinhos, Lobão, tinha a parte new wave, eu tinha o Front. Quando ensaiava com o Front lá em 83, 84, eu só tocava Police. Ouvi tudo deles, fazia uma camisa igual a do Sting, igual o Barone fazia a roupa igual do (Stewart) Copeland no começo dos Paralamas. Eu tinha uma camisa que mandei rasgar, igual ao rasgo de uma camisa do Sting que vi em um livro que eu tinha e que o Andy até assinou depois. Contei essa história para ele. Isso para mim é uma cobrança muito maior minha comigo mesmo. Apesar de todo show que acaba o Barone vem falar comigo: “Caraca, meus amigos falaram de você cantando”. Eu me cobro muito durante os shows de estar cantando a letra direito, certo foneticamente. E são palavras difíceis porque o Sting é professor de História e usava palavras não comuns nas letras. O cara tem um jeito de cantar, eu tenho outro.

ROCK PRESS – Mas, acaba que seu timbre lembra o do Sting. Pelo menos você cantando as músicas do Police, nem acho que é intencional, mas acaba lembrando. Não sei se é uma questão da região (do alcance vocal ou tessitura)…
Rodrigo Santos – Eu tenho três oitavas de região. Fiz aula de canto quando era mais novo e chegava a três oitavas. A minha voz é de médio para cima. Alcanço coisas graves, coisas muito agudas. Quando canto Cazuza, sai muito parecido porque o meu timbre é mais ou menos nessa região média como tem o Cazuza, sei lá, o Sérgio Brito dos Titãs, o Paulo Miklos. É mais nessa região. Mas, como tenho uma extensa região vocal e por ter feito aula de canto, sei que são três oitavas porque minha professora falava. Já devo ter perdido alguma parte dessas três oitavas aí (risos).

ROCK PRESS – E é raríssimo três oitavas, de cabeça, eu lembro agora do Milton Nascimento e da Annie Haslam que eu acho que são três oitavas.
Rodrigo Santos – São. Mas, aí você está falando de gênios da parada, né? O Police para mim é uma música que eu curto cantar, que tenho o jeito de cantar, me envolvo porque tenho a alma apaixonada pelo Police. Então, eu me dediquei e tenho o timbre realmente muito parecido nessas canções. As pessoas falam muito em todos os países em que fui. E o conceito do pop-rock, é diferente de uma banda cover, às vezes, que o cara tem um conceito, mas ao mesmo tempo em que canta Police, ele canta Toto ou Rush que é diferente do Police. E tem a coisa de gostar das letras, das canções, de compor do jeito que eu componho, nas minhas influências tem o Police, Bob Dylan, Beatles que são as coisas que gosto. Para mim, ter o timbre parecido foi um dos fatores, mas é óbvio que assim como o Sting já ficou rouco em muitas turnês, o Andy me conta isso, de falar com ele “Ô cara, vai para o hotel, poupa a sua voz”. Tanto é que nas turnês sou muito disciplinado, vou para o hotel e às vezes não vou jantar junto, só quando é estritamente necessário porque estou me cuidando. Cada jato que a gente pegava para ir de uma cidade para outra a gente pensa, “Pô, ‘Roxanne’ podia ser um pouco maior”. Isso depois de termos feito dois shows. Aí vai para o Chile e resolve mudar. Mas, não vou ficar passando som, gastando a voz fazendo “Roxaaaaane!”, gritando para caramba ali porque vai gastar a voz para o show. Então, o ensaio era no avião, falando, “olha, vamos fazer nesse formato aqui?”, “Vamos”. Como tenho facilidade de improvisar, tenho Os Lenhadores (N. do A.: banda que o acompanha na carreira solo) que é assim. As pessoas que tocam comigo têm que saber soltar as amarras no show na hora em que o bicho pega porque não tem esse negócio de formato não. Se não fui para o microfone pode saber. Inclusive, o Andy olhava para mim assim dando aquele olhar tipo “acabei de solar, já pode voltar lá para cantar”, aí eu estava gostando do solo dele e quando sentia que ele ia mandar aquele olhar que ele já estava meio gastando a história do solo um pouco mais, e eu estava gostando do solo, fazia o contrário, ao invés de esperar o olhar dele vir para mim, eu ia na direção dele e ajoelhava, aí ele sabia que eu não iria voltar ao microfone para cantar (risos). Isso me dava, primeiro, um momento de descanso da voz, segundo, um momento contemplativo de venerar meu ídolo, e terceiro, o improviso. Tem um cara no Chile que tem uma banda cover de Police e emprestou todos os instrumentos para a gente. E eles têm todos os instrumentos de todas as turnês. Tipo aqueles caras que tocam Beatles e têm tudo, o baixo do Paul, o Rickenbacker, os caras têm tudo. Fui cantar no Chile, e eles na primeira fila, e a gente errou o formato de “Roxanne” porque sei lá quem inverteu um negócio e a música saiu, e o jeito fui eu parar o baixo uma hora e puxar palma da platéia e cantar “Roxaaane”. Parou tudo. Ficou só eu. Fui lá na frente na direção do público e fiquei puxando palma, e as pessoas cantando. Pensei, “os caras devem estar achando uma merda”, e eles falaram assim, “a gente ficou mais fã do Call The Police do que do Police”. Isso foi muito legal. Isso transcende um pouco a perfeição, sabe? A responsabilidade na minha cabeça era a turnê estar em Buenos Aires, o Coliseu lotado, tudo vendido e as pessoas na primeira fila, show sentado…

ROCK PRESS – E o Police tem um público muito forte lá.
Rodrigo Santos – Porra, enorme. E já queriam fazer uma turnê de dez shows lá esse ano. Acabaram saindo críticas muito boas. Mas, a minha exigência era porque aqui no Brasil sou conhecido, entre aspas, por causa do Barão, lá na Argentina, no Paraguai, Uruguai, Chile ou Peru, não sou. E os primeiros shows foram com público sentado, no Uruguai foi público em pé, todo mundo já começou a cantar “altão”, entrou na vibe. No teatro, eu ficava pensando como ia ser. Vim para o Rio e é todo mundo sentado em mesa. Já tinha feito muitos teatros, então tem que puxar a plateia mais no canto do que na dança. Pensei, “como é que eu vou puxar a pessoa em ‘Walking On The Moon’, a segunda música do show, ‘iôiôiô’ (cantando)?”. Tinha gente com disco do Police na primeira fila, na minha cabeça, as pessoas iam pensar assim, “por que é esse cara que está aí cantando com o Andy Summers?”. E o Barone falou, “porra, relaxa que está bom pra caralho!”. Falei “não, agora é outro público, espera aí, deixa eu me concentrar, pensar no que vou fazer”. No final, o Andy fala assim: “pode comandar a plateia, comanda o seu show”. E aí, tinha que ler a letra, tinha que tirar a mão do baixo na hora certa para não atrapalhar a nota para chamar a plateia para cantar. Isso tudo foi me dando uma base quando a gente montou o Call The Police, só que estamos falando do Brasil, né? E aí, a gente começou a sair do Brasil, e tinha muito fã do Police em porta de hotel, no aeroporto, às vezes, e você pensa “aqui na Argentina ninguém me conhece, ou mando bem para caralho ou vão me assassinar” (risos). Tinha que encarar os fãs do Police, tocar baixo e cantar agudo, e realmente me concentrava, não saía, ficava no hotel. Às vezes, alguém chamava, “pô, Rodrigo, vamos lá conhecer tal lugar”, e eu: “não, vou para o quarto”. E o Andy adora isso, ele falava “é isso mesmo, muito bom”, porque ele já sabe.

ROCK PRESS – Voltando ao disco “Livre”, a capa foi inspirada no filme “Beleza Americana”…
Rodrigo Santos – Ela foi influenciada, na verdade, o Gustavo não gosta muito disso não porque quando ele pensou na ideia, falou da música “Quando as Flores Chegam”, “pô, Rod, o disco fala de flores, seu primeiro disco também tem flores na capa, a gente podia fazer uma capa com uma pessoa com umas flores em cima, podia ser uma pessoa nua com as flores tapando as partes íntimas”. Eu falei, “legal”. Como tinha feito um single azul, o “Quem Sabe Mais”, e falei “pega aquele azul do single, você vai fotografar a pessoa de cima com as flores”. Pensei em flores amarelas, laranjas, azuis, e vamos fazer uma capa colorida com um fundo azul como se fosse o mar embaixo, a cor do céu. Aí você fotografa da escada, mas não faz só uma pessoa, põe duas, um casal, a gente pensou em colocar um casal trans, mas talvez ficasse meio “forçação”. E a gente decidiu colocar um casal de raças diferentes.

ROCK PRESS – Uma coisa que me chamou a atenção foi que vi um casal, mas ao mesmo tempo, a posição do modelo com as flores cobrindo e a posição das pernas dele, me sugeriu muito um Cristo na cruz, e a mulher como se fosse Maria. E fiquei pensando “será que ele quis fazer um Cristo, de repente, gay e uma Maria negra?”
Rodrigo Santos – Mas, teve isso também. Teve o lance de dar essa diversidade de parecer várias coisas. As flores remetiam ao enterro do baixo do Paul McCartney no “Sgt. Peppers” porque a gente estava falando sobre capas que tinham flores, e o que as flores significavam. Por exemplo, tem a beleza da música “As Flores Chegam”, mas as rosas principalmente simbolizam os enterros que as pessoas não puderam ter, separadas das outras na Covid, não puderam ter um velório, perderam as pessoas sem poderem se despedir. E ali tem o amor que é a liberdade grande da vida representada que é os dois estarem juntos, eles estão de mãos dadas, só que estão protegidos, um respeitando o outro. Esse é o amor do momento, é aquele amor que você respeita o outro e o protege. Então é a pessoa de máscara, com luva, mas ao mesmo tempo, ele está ali com essa posição que você falou parecendo um Cristo. Tem muitas influências. A influência da capa do filme “Beleza Americana” que a gente acabou percebendo também, e o Gustavo ficou até meio puto porque ele falou que não pensou nisso, mas eu disse “pô, Gustavo tem uma coisa que o (ex-) técnico do Flamengo, o Jorge Jesus falava, “não interessa como começa, interessa como termina” (risos). Falei para ele “Cara, pode não ter sido a ideia original porque a foto é da Annie Leibovitz que era fotógrafa do John Lennon e que tinha uma foto que era assim mesmo, uma mulher cheia de pétalas de rosa em cima com ela deitada de lado (N. do A.: a foto em questão é da atriz e cantora Bette Midler feita por Annie Leibovitz para a capa da revista Rolling Stone de dezembro de 1979, quando ela estrelou o filme “The Rose”) e o diretor de “Beleza Americana” se inspirou nessa foto. Uma coisa leva à outra, e falei para o Gustavo, “você pode ter certeza que bem ou mal essa é a beleza brasileira, ela está aí representada nesse casal”. Se não era a ideia original a “Beleza Americana” passou a ser certa hora porque eu não conseguia ver essa capa da Annie Leibovitz mais, só conseguia ver a de “Beleza Americana”. E como não foi pensado originalmente, você não pode ficar explicando para todo mundo que a ideia original era essa porque, na verdade, ela ficou quase igual à “Beleza Americana”, então vamos assumir. Só que falei para ele, “a diferença é que tem um casal que mostra a diversidade racial”, e isso para mim é muito importante porque fala na letra de “Livre”, e estava tendo os protestos anti-racistas. E falei para ele que ele fez uma puta capa, mesmo que a ideia original dele não tivesse passado pelo filme. Mas, quando olhei, achei que era o que todo mundo ia olhar. E não deu outra. Quando mostrei para umas 3 ou 4 pessoas, elas falaram a mesma coisa “Ah, Beleza Americana!”. E falei “o que a gente tem aqui nesse exato momento uma capa com uma mulher deitada, parecida com a posição da “Beleza Americana”, e acho que é o seguinte, depois você viu que ficou parecido”. E o casal é a beleza brasileira, é assim que eu encaro essa capa. A diversidade, a proteção. O disco é um registro da época da pandemia do Covid, então tem que ter a máscara, tem que ter a luva, e isso se chama liberdade também.

ROCK PRESS – Tanto “Livre” quanto “Um Novo Olhar” têm reflexões sobre esse momento que a gente vive. Em “Livre” você fala “preto, pobre, mulher, gay, índio e todas as minorias, enquanto forem discriminados ninguém será livre nessa terra”. “Um Novo Olhar” tem o verso “mudaremos os costumes com um novo olhar”. Como você tem visto essa mudança, na verdade, esse choque entre uma mentalidade transformadora nos conceitos dessa geração e que tem influenciado boa parte das pessoas mais velhas, algo que talvez só tenha acontecido com essa força nos anos 60 e 70, e por outro lado essa mentalidade retrógrada com esse conservadorismo o mais reacionário possível? Como você tem visto isso, sobre essa questão mais específica das chamadas minorias?
Rodrigo Santos – É, das chamadas minorias porque a maioria é de negros no Brasil.

ROCK PRESS – Maioria de negros, de mulheres, no Brasil, pelo menos.
Rodrigo Santos – Exatamente. Eu acho que o Brasil tenta sempre voltar essa coisa monárquica, essa coisa imperialista que vem do imperialismo dos Estados Unidos. Isso foi um retrocesso muito grande, e a cada dia parece que os governantes fazem questão de mostrar o retrocesso escancaradamente. Isso é uma coisa que mexeu com muita gente. Agora, o País ser conservador ou não, eu acho que está ligado… o País é conservador sim, mas tem um conservadorismo exagerado e quase que auto-suficiente no sentido de poder ameaçar as pessoas, ou uma minoria que ameaça. Acho que isso vem diretamente da figura central do poder que passou do ponto. E passou do ponto de deixar as pessoas se manifestarem do jeito que elas querem, inclusive sobre AI-5. Nesse ponto, a direita liberal mais conservadora passou a ser uma extrema direita violenta, agressiva. Essa aí, mesmo que exista, não é a maioria. Ela não vai ser maioria porque o Brasil não é um país de uma maioria violenta. O Brasil é um país até hospitaleiro. Tem muitas cidades dominadas por tráfico, por milícia, mas o País em geral, a população em sua grande maioria é uma população hospitaleira. As comunidades cuidam muito umas das outras. Só que, realmente, a gente está dominado por poderes paralelos que estão mandando e desmandando. Acho que de uns 4 anos para cá. Mas, digamos, nessa parte que foi eleita nos últimos dois anos, parece que tinha uma galera específica querendo um apoio de alguém de cima para poder fazer o que queria fazer. Deu um selo assim “é o seguinte, eu estou cagando, vou fazer vistas grossas, façam aí mais ou menos o que estou fazendo aqui. Sou negacionista, acho a imprensa uma merda, a medicina está aumentando os dados, quem usa máscara é otário”. Foi quase isso, né? Quase uma afronta a tudo. A ciência não existe, a vacina é para quem não se garante. Acho que existem esquerdas e direitas mais bem definidas hoje em dia, só que não existe uma liderança de esquerda capaz de fazer frente à liderança de direita agora porque eu acho, no final das contas, que está parecendo que as direitas meio que deram um balão com a história e estão se aproximando com um possível segundo turno direita contra direita. Acho que isso pode acontecer. Eu não sou contra direita ou esquerda, sou contra radicalismos, extremismos. Sou um artista que penso sempre o caminho do meio. E está difícil de encontrar. Acho que o caos está aí por causa disso, a gente não encontra o caminho do meio. Estamos encontrando um retrocesso enorme que ninguém está sendo capaz de frear. E quando foi tentar frear alguma coisa veio ataques ao STF, e naquela hora achei que estava tudo perdido e que a gente não ia conseguir reagir com o País. E reagiu de certa maneira, nem que seja entrando no jogo, mas reagiu porque as pessoas não podem fazer o que querem a seu bel-prazer. Isso é um absurdo. Acho que essa parte reacionária extremista não é grande assim. Tem bastante gente, mas o Brasil é muito maior que isso. Acho que isso é um momento.

ROCK PRESS – Talvez, as propagandas amplifiquem muito isso.
Rodrigo Santos – É. A rede social é polarizada, tem as fake news. Tudo foi propositalmente jogado, ou você é isso ou é aquilo. O meio termo ficou esquecido. Tanto é que nas últimas eleições vários candidatos ficaram esvaziados, a Marina que eu até ia votar. Depois, votei no Ciro. Votei no Haddad no segundo turno. Mas, também não estava satisfeito com o PT. E jurava que não ia votar mais no PT porque eu já tinha votado muito nele. Estava decepcionado com o PT para caramba. Ao mesmo tempo, não esperava, eu era um cara ingênuo, não sabia o que viria. Já sabia que tinha bolsominion, mas conheço várias pessoas que votaram no Bolsonaro, pessoas que já não votam nunca mais, pessoas que iam votar pela economia. Enfim, o problema não é em quem eu voto, é uma democracia, é legítimo ter direita e esquerda, até porque cada um tem uma visão diferente do País. O que não é legítimo é legitimar o AI-5 ou qualquer atitude que o presidente faça, seja ele de esquerda ou de direita, porque quem quis enfiar cloroquina no povo foram o Maduro e Bolsonaro, basicamente. Um é de esquerda e o outro de direita. Mas, o importante que estou dizendo é que as redes sociais deram voz às fake news. A pandemia serviu para isso também. Aflorou tanto esse negócio do AI-5, essas manifestações malucas, barraca em frente ao STF. O STF já errou para caramba para todos os lados. Mas, não dá direito das pessoas fazerem isso, ameaçar de morte. Estava pensando assim, se controlarem tudo, polícia, nós vamos ficar onde? Acaba com tudo, a cultura, os artistas, a imprensa, daqui a pouco a ciência. Estamos aonde nesse novo normal?

ROCK PRESS – É um massacre na educação, cultura, saúde.
Rodrigo Santos – É, educação e cultura estão bem ligados. O que acontece? Sou um artista que transita em todos os lugares. Do menor pub que paga pior no Brasil até um mega-festival como o Rock In Rio (N. do A.: todas as fotos ao desta matéria), festas de casamento, formaturas, festivais alternativos. Transito por todos os lugares, com bandas locais, com a minha banda, com estruturas maiores, estruturas mambembes, de tudo, gosto da estrada. E tenho todo tipo de amigo, todo tipo de pessoas que eu gosto seja em quem votou. Então, comecei a falar assim “não dá para ficar analisando as pessoas pelo que elas fazem, mas dá para conversar com as pessoas sobre o voto delas depois”. Tudo bem, eu acho que o voto é democrático, agora, fazer vista grossa para o que qualquer presidente, governador ou prefeito que seja faz com o dinheiro público porque tem a legitimidade dos votos. Isso não é justo. Porque a pessoa muda de opinião por causa disso. Tanto é que senão eu não ficaria triste com o PT em um momento da minha vida. As pessoas se decepcionam com votos também. O que me assusta é o exército de robôs, ou pior, de não-robôs que fica sendo ainda manipulado achando que o Brasil, realmente, está dando certo, desmatando a Amazônia, fazendo essas queimadas todas, depois daquela reunião aonde o Salles falou o que falou, assim como o Weintraub. Tudo bem, essa galera pensava diferente da outra, mas a maioria disso é fake. O pessoal fala em Deus, mas ao mesmo tempo fala em arma.

ROCK PRESS – Extremamente contraditório.
Rodrigo Santos – Completamente contraditório. O negócio é uma antítese. A gente fica meio sem chão. Aí você pega o Crivella que apoiou o Bolsonaro, mas também já apoiou a Dilma e o Lula. Os políticos todos estão se metendo agora com a religião. Então, você pega um País que está metido em política junto com a religião. Um País que, digamos, tem uma maioria conservadora, e não é uma maioria extremista, mas pode ser uma maioria conservadora.

ROCK PRESS – Talvez, a maioria do mundo seja conservadora em algum aspecto. O problema é para aonde isso vai.
Rodrigo Santos – Bom aspecto que você falou, por isso que falo com esses meus amigos e muitos já mudaram de opinião, “Não é possível. Você ser conservador nesse negócio aqui, tudo bem, agora, olha só essas atitudes, isso aqui que está acontecendo”. Isso não é conservadorismo, isso é a pior espécie de política que pode ser feita. É uma política completamente controladora, ameaçadora, do confronto, segregacionista. É completamente diferente de você querer uma economia melhor, uma economia liberal, não tem nada a ver uma coisa com a outra. Tanto é que alguns ministros foram caindo. Quem não concorda com o presidente vai caindo. Acaba que fica um ministro da saúde militar falando o que o presidente quer ouvir, e tem que montar um consórcio paralelo para mostrar os números reais da Covid. Isso é um absurdo. E as pessoas apoiando isso dizendo que a culpa é de tal meio de comunicação, a culpa é de não sei o quê. Todo mundo pode ter erros, falhas, tendências. Isso pode ter. O que não pode ter é ameaça à democracia, e a gente viu claramente durante esse tempo uma ameaça à democracia.

ROCK PRESS – No caso específico da presidência, acredito que a ameaça já vinha antes da própria eleição pela figura que ele sempre teve e tudo que falou, ele já representava essa ameaça, e não sei até que ponto as pessoas quiseram pagar para ver.
Rodrigo Santos – Nesse ponto, apesar de muitas pessoas não perdoarem, acho que a democracia permite isso. Digamos que só existissem dois partidos, um da esquerda e outra da direita, aí estão insatisfeitos porque um partido está há muito tempo no poder, uma parte do País pode querer votar no outro, isso é democrático. Agora, o que acho até insano é ver tudo que foi feito depois disso em relação às atitudes, principalmente quando veio a pandemia. Mas digamos, que nem viesse a pandemia, o que já estava sendo feito. Tá, pode ser visão de mercado, por isso que estou falando, lido com pessoas que aceitam o Rock como estilo de vida, e lido com pessoas que bancam o Rock com festas, que mantêm o Rock vivo também, que gostam do Rock’n’Roll, mas apenas são mais liberais econômicos e pagaram para ver porque o País estava caindo ladeira abaixo. Sei que existem essas duas vertentes, e sei transitar no meio dessas pessoas, continuo sendo chamado para tocar em festas de esquerda e de direita, de centro, festivais alternativos e corporativos, por que? É aquela coisa da verdade está no meio. Se a gente não conseguiu agora, e a gente tem na nossa essência a luta pelas Diretas Já e o voto, a gente tem que respeitar e apenas brigar para não deixar os extremistas por cima mandando em tudo. Por isso a gente tem que brigar o tempo todo. Mas, tem que saber também que tem uma eleição e que tem que ganhar no voto, né? E tentar não ter fake news, manipulação de voto porque se a gente não mudar o conservadorismo agora, a gente pode mudar daqui a quatro anos. Vai mudar. Ninguém fica o tempo todo, a não ser um ditador, e não acho que seja o caso.

ROCK PRESS – Nem eles ficam, na verdade. Alguns duram mais ou menos tempo, mas uma hora cai.
Rodrigo Santos – E a maioria deles jantam a mesma mesa. Isso é uma coisa que acontece desde o Sarney. O Collor estava aí agora também. Começo a ver isso e falo assim, talvez, essa galera seja mais uma das que a gente já viu em vários Estados do País, seja Antônio Carlos Magalhães na Bahia, Collor em Alagoas, Sarney no Maranhão, e por aí vai. Talvez, seja essa a família do Rio, talvez, tenha a de São Paulo daqui a pouco que queira dominar. Tem isso, agora na hora de negociar, vai lá e negocia com o Congresso, dá cargo, não existe político diferente. Existe o político conveniente, e a conveniência é a mesma do que tudo que for falado em eleição. Aí que falo com os eleitores: “mas, cara, você não votou por essa pauta aqui? Essa pauta não existe mais. E esse negócio que está sendo feito nessa outra? E essa pauta aqui que o Moro que era o ministro?”

ROCK PRESS – E a pauta da economia que muitos falaram?
Rodrigo Santos – É. A pauta da economia do Paulo Guedes é a bola da vez agora porque não conseguiu mudar nada. A gente não vai saber ainda se a pandemia foi o problema ou não, mas digamos que tenha essa desculpa lá para eles depois porque eles vão arrumar desculpa para tudo sempre mesmo porque político é assim nesse ponto. Qual é a pauta que sobra? Próxima eleição. Aí você tem uma votação a favor de liberar dívidas das Igrejas, vai lá PCdoB, PT, gente como Benedita ou a Jandira e votam de um jeito que a gente não gostaria que votasse. Você fala assim, quem é que está mandando nessa porra no final das contas? É a milícia? É a Igreja? Quem é que está fazendo todo mundo ser eleito? Quem são as pessoas realmente que não estão deixando mais uma democracia se estabelecer? Porque misturar religião e política a gente sabe que vai dar nisso, né?

ROCK PRESS – E tem as empresas por trás, os grandes empresários que financiam quase todos os políticos.
Rodrigo Santos – Tem, claro, e a gente viu alguns deles na nossa cara falando aquelas coisas absurdas, e quase vendo naquela reunião fatídica os micros e médios empresários sendo destruídos, “ah, isso aqui não importa”. E olha que essa declaração foi a que mais passou batida naquela reunião.

ROCK PRESS – Parece que é até uma estratégia porque é tanto absurdo que já não choca. E as pessoas deixaram passar, relevaram ou não puderam fazer nada, não tiveram como reagir, e eles vão jogando uma atrocidade em cima da outra.
Rodrigo Santos – Exatamente. Acho que pode ter sido estratégia deles fingir que não queriam liberar a reunião para depois liberar para os próprios eleitores gostarem do que eles falaram. Porque os eleitores, o que aconteceu, olha a “mistureba toda”, o PT bateu muito no PSDB como rival, “ah, eles são de direita, nós somos de esquerda”, e fizeram a pior coisa do mundo porque ali eles destruíram o PSDB. Nem para somar o PSDB servia mais. Para somar forças de esquerda porque, se pensar bem, o Fernando Henrique lutou pelas “Diretas Já”, está todo mundo junto. Daí você rivalizar só porque um partido quer o poder e o outro também, acabou criando o Bolsonaro.

ROCK PRESS – Mas, tenho uma sensação que o Bolsonaro venceu mais o PSDB do que o PT porque existem alguns eleitores que já têm um perfil histórico de esquerda que jamais votariam em quadros como o Bolsonaro. E de repente, os votos que o Bolsonaro pegou foram do PSDB, tanto que a votação do Alckmin foi muito baixa. Então, talvez, ele venceu mais o PSDB do que o próprio PT porque os eleitores, mesmo aqueles que estavam decepcionados, na hora H, votaram no PT.
Rodrigo Santos – É, mas o PT transformou o PSDB em um adversário forçando essa barra como se fosse de direita, mas esqueceu que existia a extrema direita no País. E ao chamar o PSDB de direita, obviamente, os eleitores de direita do PSDB, não os de esquerda porque o PSDB é um partido conservador, na verdade, uma esquerda moderada, né? Só que acabou ficando mais de direita, no sentido que o PT se colocou como “o” partido de esquerda quando todos eram das “Diretas Já”. Ao colocar o PSDB para a direita, os eleitores do PSDB meio que automaticamente foram para o Bolsonaro. Isso foi um erro estratégico do PT, e outro foi a briga com o Ciro Gomes na hora em que o Ciro estava disparando nas eleições. Ali teve um erro que acho que foi do Ciro e do PT porque o Ciro, supostamente, ganhava de todo mundo no segundo turno e não houve uma aliança. Aí a gente votou no Haddad. Mas, o anti-petismo estava muito forte. Era mais fácil um candidato do PDT ganhar com o PT apoiando do que o PT como partido ganhar a eleição naquele momento. Agora já não sei, porque essa pandemia está dominando a política, né? A gente não sabe mais para onde vai, perdemos o bonde, a esquerda não se uniu muito. Está tentando se unir de novo, mas qual é o nome que você vê, capaz de derrotar um cara que já teve 57 milhões de votos. E você sabe que voto é igual você chegar à urna e ler “Zico e Iranildo”, o cara que é ignorante, tudo bem, eu votaria no Zico de qualquer maneira (risos), mas vamos lá, você é Atlético ou Cruzeiro?

ROCK PRESS – Cruzeiro, e gosto muito do Flamengo por causa do Zico. (Risos).
Rodrigo Santos – Então, digamos que esteja lá “Tostão e Fábio Júnior”, aí ninguém conhece o Fábio Júnior, a não ser o cantor, né (risos). O cara que não conhece nada de política diz “pô, vou votar nesse aqui que eu conheço, Tostão”. O Bolsonaro ganhou uma eleição, então, o fato de falarem dele mal ou bem o torna mais popular. O Haddad tem chance, mas acho que tem que ter uma aliança maior.

ROCK PRESS – Isso sem dúvida.
Rodrigo Santos – Outra culpa da esquerda, talvez, foi bater no STF, no Gilmar Mendes, naquele momento em que o Lula realmente teve um golpe que o Moro acelerou o processo. Aí o que aconteceu? Todo mundo começou a falar mal do STF, “só tem bandido, só tem bandido”. O Bolsonaro fez a mesma coisa e se apropriou desse discurso quando estava no poder, “o STF só tem bandido”. Aí, meu amigo, confundiu a população toda, “ah é, no STF só tem bandido”. Então tem uma parte do discurso do PT que encontra o discurso do Bolsonaro. Isso é que é pior! No final, todos eles faziam um discurso contra o STF. Fazem, né? E no final das contas, a gente fica como? Uma parte diz, “ah, quem colocou o Toffoli e o Lewandowski no STF foi o Lula”, mas, o PT bateu muito no STF pela decisão contra o Lula. E aí o STF virou quase um sinônimo de “esses caras não sabem porra nenhuma”. Isso caiu para a esquerda e para a direita. Acabou que todo mundo começou a falar mal. E achei até naquele momento lá de abril do AI-5, ninguém vai defender o Moro porque ele prendeu o Lula, então se ele fosse candidato contra o Bolsonaro, esquece.

ROCK PRESS – Engraçado que você deu o exemplo usando o futebol e é quase como se pensasse, fazendo uma metáfora com o juiz, no torcedor de ambos os times que acha que o juiz está roubando para o outro lado. E aí ninguém gosta do juiz, todo mundo amaldiçoa.
Rodrigo Santos – Exatamente. Por isso é que se tivesse alguém… quem teria tamanho suficiente para tirar esses votos do Bolsonaro que já vem com a máquina na mão agora? Vejo muita dificuldade porque a esquerda não está fazendo movimento nenhum, nem candidato. Não sei se vai começar a fazer a partir de agora, depois da vacina. Sei lá, cara, você está vendo alguém? Talvez eles tentem com o Haddad de novo.

ROCK PRESS – Vamos observar como vai ser agora com as eleições municipais como vão ser esses movimentos, possíveis alianças para ver o que irá resultar lá na frente.
Rodrigo Santos – E tem o outro lado, além de saber que o Witzel é um canalha, o Crivella não sei o quê, é muito estranho. Estão acelerando muito a prisão desses caras.

ROCK PRESS – Como aceleraram a prisão do Lula.
Rodrigo Santos – Eles estão fazendo a mesma coisa com os caras que os ameaçam nas eleições municipais. Dá para ver que isso está rolando agora. Mesmo que os caras tenham culpa, que o Paes tenha feito o que fez, e ele até seria meu candidato aqui no Rio para ser sincero. Pelo jeito dele mesmo, pacificador. Conheço pessoas que o conhecem, é unânime, o cara é um gentleman, uma flor de pessoa. Porque chega em um desespero tão grande que você não quer ver mais ninguém gritando. Se o cara roubou x ou y, eu não sei, para mim todos eles vão roubar. Não vejo nenhum político que não esteja interessado na Igreja, na aliança, não estou vendo.

ROCK PRESS – É muito triste que a gente chegue nesse quadro.
Rodrigo Santos – É triste. Só que, por enquanto, só o PSOL que está batendo ao contrário, é o único partido que está crescendo, vai crescer…

ROCK PRESS – E partidos menores como o PSTU.
Rodrigo Santos – PSTU, exatamente. Mas, você vê eles ganhando eleições presidenciais?

ROCK PRESS – Não. Estou falando de ser um partido que está numa escala menor.
Rodrigo Santos – É, a gente não pode esquecer que tem o Bolsonaro pai, zero um, zero dois, zero três (risos), tem gente para seguir essa linha depois. Porque a popularidade, se o cara faz esse auxílio emergencial de 600 reais que teve que fazer por causa da pandemia e se aproveitou porque nem queria fazer porque foi o Congresso que colocou o valor porque eram 200 reais.

ROCK PRESS – Bem, Rodrigo, só para a gente fechar com um pouquinho do otimismo que a gente falou que você tem, eu gostaria que você falasse um pouquinho do documentário “Trem Bala”, porque nós já falamos dos seus outros projetos que estão por vir, e que você deixasse seu recado para nossas leitoras e leitores.
Rodrigo Santos – O documentário “Trem Bala” está pronto. Faltam só umas coisas burocráticas para poder passar no Music Box Brasil, falta pouco, mas já está aprovado pelo canal. E há qualquer momento pode passar. Ontem, eu vi o “Efeito Borboleta”, outro dia vi a “A Festa Rock”. Sempre passam as minhas coisas, se amarram no meu trabalho lá. Estou para mandar dois clipes que fiz agora para eles. No meio disso, tive milhões de views com o Overdriver Duo com uma versão que a gente fez de “Exagerado”. Eles são uma dupla lá do sul. Eu os conheci através da versão que eles fizeram de “Every Breath You Take”. E depois a gente acabou gravando ela e “Message In A Bottle” com o Andy. Quanto à mensagem, acho que é a capa do disco. Sinceramente, uma esperança cada vez maior que todo mundo esteja livre para fazer o que quer, o que gosta, sem precisar se preocupar com o vírus maldito que chegou pelo mundo e fez a gente pensar muita coisa, abriu muitos campos de trabalho, muita gente ganhou dinheiro assim dando aulas com aplicativo. Mas, o recado é esse: esperança! Não é nem que a esperança nunca morre, ela nunca dorme, está sempre acordada. Ela está sempre ali do nosso lado falando assim: “olha, o sol está lá fora, as estrelas também, e isso vai passar”. A esperança é essa, a gente não desistir de fazer arte. A arte salva e a gente não pode deixar ninguém falar para todos nós o que temos que fazer ou não. Principalmente a liberdade está nisso, a liberdade de escolhas.

Em tempo: Rodrigo Santos acaba de lançar o clipe da música “Livre”. Confira aqui no Instagram.
Ainda: Os versos de “Um Novo Olhar” (Rodrigo Santos) alertam, “A luta é ficar em casa/pra podermos ter força e asas/pra depois voar/em algum momento/pra qualquer lugar”, e nós da Rock Press fazemos coro a eles! – Robert Moura

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ROBERT MOURA – É natural de Belo Horizonte. Bacharel em Música (UEMG) e Mestrando em Artes (UEMG). Professor na Alaúde Escola de Música. Tocou guitarra em bandas de Rock na capital mineira e; assistiu a shows antológicos de Rodrigo Santos com o Barão Vermelho como na abertura dos Rolling Stones, no Pacaembu, em São Paulo, debaixo de uma chuva torrencial que durou cerca de seis horas, e na Praça do Papa em BH, ambos no ano de 1995. Atualmente, seu trabalho está focado no violão clássico e trilhas para teatro.

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