ROCK EM ANGOLA: Entrevista com Melina dos Santos, autora do livro “We do rock too: formas de criatividade do movimento do rock angolano”

De autoria de Melina dos Santos, a Editora UERJ está lançando “We do rock too: formas de criatividade do movimento do rock angolano”, livro que apresenta a cena rock da Angola aos brasileiros. O evento de lançamento será nesta quinta-feira (30/03), no Campus Maracanã da UERJ. Na ocasião, haverá debate com participação da autora, da professora Cíntia SanMartin e do professor Washington Nascimento. A Rock Press aproveitou a iniciativa para conversar sobre o Rock na Angola com Melina dos Santos na coluna 1, 2, 3, 4…

Banda Dor Fantasma, levantando a bandeira de Angola e do Rock!

ROCK EM ANGOLA:
Entrevista com Melina dos Santos, autora do livro “We do rock too: formas de criatividade do movimento do rock angolano”

TEXTO: Michael Meneses
FOTOS: Divulgação

Brasil e Angola estão ligados pela história, porém no aspecto cultural tivemos pouco acesso à produção artística deles. As notícias que mais chegavam eram relacionadas à triste guerra civil que assolou esse país da África Central entre os anos de 1975 e 2002, depois de séculos de dominação portuguesa. Passou despercebido por nós, brasileiros, o quanto temos em comum com o povo angolano. Enquanto eles recebem com carinho nossa produção cultural, damos pouca atenção ao que é produzido por lá.

Na maior parte das vezes, olhamos para Angola apenas como mais um país da África. É preciso ter interesse da nossa parte. E esse preconceito brasileiro se estende também a outros países e regiões do mundo. Afinal, quase não dialogamos com a cultura latino-americana, asiática e de diversos países. Devemos desculpas por esse descaso verde e amarelo.

No rock, nossas bandas são conhecidas e admiradas por eles, mas pouco conhecemos a cena angolana. Contudo, agora temos um caminho para mudar isso, pois a Editora UERJ está lançando “We do rock too: formas de criatividade do movimento do rock angolano” (capa acima), livro de autoria da pesquisadora Melina dos Santos. “We do rock too” analisa a cena heavy/rock da Angola por meio de pesquisas de campo e entrevistas, e traz um QR Code de acesso a uma playlist selecionada pela autora, com bandas da cena angolana que valem muito a pena conhecer. A pesquisa como um todo é uma excelente porta de entrada para a cena rock brasileira conhecer as bandas, festivais, selos independentes e a produção rock de Angola.

O lançamento do livro acontece na próxima quinta-feira (30/03). Na ocasião, haverá debate com Melina dos Santos, com a professora Cíntia SanMartin (Programa de Pós-graduação em Comunicação da UERJ) e o professor Washington Nascimento (Programa de Pós-graduação em História da UERJ). Veja o serviço ao final da entrevista.

A Rock Press aproveitou o lançamento para conversar com a autora Melina dos Santos na coluna 1, 2, 3, 4…

1 – Michael Meneses / Rock Press: O que lhe motivou a desenvolver a pesquisa que deu a origem ao livro “We do rock too: formas de criatividade do movimento do rock angolano”?

A autora.

Melina dos Santos: O documentário Death Metal Angola (cartaz ao lado), de autoria do diretor estadunidense Jeremy Xido, narra o papel do subgênero do metal, death metal, na interpretação da guerra angolana pelas bandas locais, revelando cenários de insegurança e eventos históricos inseridos neste contexto social. Eu decidi montar um projeto de pesquisa de Doutorado, procurando abordar como as bandas angolanas estavam criando sentidos contidos nas letras sobre a nação; memórias que conectam seu presente com seu passado, e as imagens que dela são construídas. Porém, no primeiro trabalho de campo em Angola, em setembro de 2014, percebi que teria de abandonar esse projeto e seguir o que os rockers angolanos consideravam questões pertinentes para pesquisar o movimento cultural.

2 – Rock Press: Seu livro apresenta o rock angolano ao Brasil. Como a cena rock angolana vê o rock brasileiro?

Dor Fantasma – Fãs do Sarcófago!

Melina dos Santos: Fiquei surpresa quando me depararei com a posição de poder do Brasil surgida nos imaginários dos rockers, não apenas com o argumento de que o país aumentou a representatividade na conjuntura econômica e política internacional, articulando-se como BRICS. Brasil seria uma matriz cultural do rock e do metal consumida pelos rockers angolanos e idealizada como mercado de produção e de circulação musical. O imaginário coletivo sobre o Brasil descreve o país como uma fonte de bandas qualificadas nos circuitos mainstream/underground e reconhecidas no cenário internacional, além de concentrar instrumentistas e de profissionais especializados que dominam as técnicas musicais. É local de acesso mais facilitado aos instrumentos e equipamentos musicais, de oferecimento de turnês internacionais mainstream/underground, de organização de grandes festivais, como o Rock in Rio e Lolapallooza, do apoio de estabelecimentos como bares e casas de shows, de profissionais dedicados à captação, à mixagem e à masterização dos gêneros musicais rock e metal. Porém, se nós observarmos nosso contexto, o acesso aos instrumentos e equipamentos musicais, estúdios especializados na captação de rock e de metal, festivais, shows em pequenas casas de shows ou não, demanda um gasto extra de dinheiro e não é tão facilitado assim como eles me descreveram. Mas, vou citar alguns exemplos interessantes que testemunhei nos trabalhos de campo. Na última edição do festival Rock no Rio Catumbela (2017), a banda Projectos Falhados fez uma cover de “Menina Veneno” do Ritchie. A banda Tiranuz tocou uma cover de “Vou te Levar”, de Charlie Brown Jr. no festival Rock no Gueto, em Luanda (2017). A primeira vez que vi a banda Dor Fantasma (foto acima) ao vivo no Festival ORLEI (2014), o guitarrista Jayro Cardoso estava usando uma camisa da banda mineira de black metal Sarcófago. Em conversas informais com os rockers angolanos, eles sempre comentavam sobre a importância de artistas e bandas brasileiras como Cazuza, Sarcófago, Sepultura, Ratos de Porão para sua formação “rockeira”. Sepultura, inclusive, é uma banda brasileira bastante mencionada pelos rockers pelo fato de dialogar com a cultura local (no caso dos álbuns Chaos A.D. e Roots, por exemplo) e com a do metal/rock internacional, algo que as formações têm procurado seguir em suas canções. Bons exemplos são as bandas Dor Fantasma, Singra e Instinto Primário. Embora exista essa idealização em relação ao Brasil, ela não é totalmente romantizada. Os rockers possuem críticas a determinados cenários de interação entre Brasil e Angola, como, por exemplo, a máxima de eles saberem mais sobre o Brasil do que nós sobre a cultura, a história e a sociedade deles. De certa forma, há uma visão de proximidade histórica entre Brasil e Angola, nos bons aspectos e nos negativos também.

Banda Before Crush

3 – Rock Press: Você faz parte de um selo fonográfico, o Cube Record Angola. Fale sobre essa iniciativa e aproveite para falar das bandas angolanas…

You Failed, Now We Rule um lançamento do Selo CUBE Rec.

Melina dos Santos: A Cube Records Angola é uma editora fonográfica bem underground, bastante regida pela artesania Do It Yourself. Ela surgiu de uma ideia de dois rockers angolanos, Carlos Bessa e o Queirós Ladino (então vocalista da banda Before Crush), com o intuito de promover pequenos eventos dedicados ao rock e ao metal em Benguela, a partir de 2011. Contudo, Bessa e o Queirós acabaram direcionando o projeto para a produção de música gravada.

Rock no Rio Catumbela

Como uma forma de incentivar as bandas angolanas a gravarem suas canções. No dia 10 de dezembro de 2013, a CUBE lançou a coletânea You Failed, Now We Rule (Capa ao lado), com cinco canções de bandas e artistas angolanos de rock e de metal extremo (Fiona, Before Crush, Dor Fantasma, Horde of Silence e Eternal Return), com 200 unidades. Os músicos participaram de todas as etapas de produção do álbum, desde a capa até a captação dos instrumentos musicais na interface digital. Com o amadurecimento da CUBE, ambos sócios começaram a criar eventos segmentados de rock e metal em parceria com a cervejaria Soba Catumbela e o Departamento de Cultura de Benguela, como Avalanche Rock-Metal Festival, Rockultura, e Rock no Rio Catumbela.

A CUBE iniciou a realização do Avalanche Festival e ao procurar por contatos de patrocinadores para os eventos, conheceu a diretoria da cervejaria Soba Catumbela. Desta parceria, surgiu a proposta de realizar um festival em homenagem à passagem da Catumbela de distrito para município, no dia 05 de outubro de 2011. Foi assim que surgiu o Rock no Rio Catumbela, no ano de 2013, como parte das comemorações realizadas pela Soba em homenagem ao município. Infelizmente, o Rock no Rio Catumbela teve sua última edição em 2017, devido aos problemas estruturais da Soba Catumbela. Sempre brincava com o Bessa de que o festival era espelhado no Rock in Rio, de que se o Medina descobrisse a CUBE estava ferrada (risos). Mas ele sempre me lembrava de que a ideia inicial era colocar a estrutura do festival na margem do Rio Catumbela, a qual estaria baixa em outubro. Contudo, claro que os Bombeiros e a Defesa Civil não permitiram esse feito. Porém, em 2017, com a programação subdividida em dois palcos – Palco Rock e Palco Mundo (mais voltado para a música angolana), o Bessa largou de mão e me disse: “É, aí não tem como negar mais…”. O álbum Ovimbundu, lançado pela banda Dor Fantasma em novembro de 2021, consiste no primeiro full lenght produzido pela CUBE Rec. Esse álbum consiste em uma co-produção da CUBE com a editora fonográfica portuguesa, Nightfear Records, de propriedade de Antonio Barrote e o Estúdio 2, de propriedade do multi-instrumentista Tiago Oliveira (Ohali Music e Kosmik). O ti Barrote, como nós costumamos chamá-lo, passou um tempo em Angola, por motivos profissionais, e acabou conhecendo os rockers angolanos. Dessa amizade, surgiu a ideia de ajudá-los na produção de música gravada underground, com venda de merchadising e prensagem de álbuns em Portugal. Eu fui convidada pelo Bessa para colaborar com a CUBE no início de 2017 e, embora tenha ficado super animada com o convite, na época, isso também gerou uma questão ética a ser trabalhada como pesquisadora. Minha missão seria a de marketing musical, com a criação de press releases, de materiais audiovisuais e atualização de redes sociais da CUBE e do Dor Fantasma (coisa que tenho feito muito mal, por sinal) etc. Desde minha entrada na CUBE, eu criei o Bandcamp da editora, os canais de YouTube, editei alguns vídeos para a coletânea e para o lançamento do álbum do Dor Fantasma, montei um site oficial que não conseguimos manter por muito tempo a assinatura pela plataforma ser super cara (risos) e, no momento, estou tentando retomar as redes sociais da CUBE e do Dor Fantasma. O ano de 2017 foi muito intenso para mim, porque era o último ano da pesquisa, então tive de me desdobrar entre trabalho de campo, entrevistas, produção do IV Rock no Rio Catumbela, o site da CUBE, o bandcamp, atualização de redes sociais, produção de conteúdo, escrever tese. Para somar, o programa Volume 10 (96.5 FM), uma das atrações dedicadas ao rock e ao metal em Angola (e uma das mais antigas também), convidou-me para ser colaboradora do programa. Minha responsabilidade era enviar uma curadoria musical, principalmente com bandas brasileiras de metal extremo, para a seção Black Time. Nesse meio tempo, ainda montei uma página no Facebook com alguns rockers angolanos, RockAngola, tipo um fanzine online com notícias sobre rock angolano. Quase enlouqueci. Nos dias atuais, estou apenas na CUBE para tentar dar conta de alguma atividade. Mas, aprendi muito com essas ações e, sendo sincera, a pesquisa não teria saído se não fosse essas experiências. Já existe uma produção de música gravada de bandas de rock angolano, como as extintas Café Negro e Neblina, Black Soul, M´vula, Sentido Proibido (foto abaixo), Kishi (essa teve inclusive o relançamento do primeiro EP pela CUBE e Nightfear Records e há EP novo na área), Instinto Primário etc. Porém, os festivais dedicados ao rock como o ORLEI (O Rock Lalimwe Eteke Ifa – O rock nunca vai morrer, em Umbundu), são de extrema importância para a circulação das bandas angolanas. Não podemos nos esquecer do papel da Sónia Ferreira, coordenadora da ONG Okutiuka, na cidade do Huambo, como fomentadora da produção do rock em Angola. Participar do ORLEI é basicamente o rito de passagem de qualquer banda de rock angolana que queira seguir no caminho da música.

Sentido Proibido!

4 – Rock Press: Em seu livro você disponibilizou um QR Code para o leitor ter acesso ao som das bandas angolanas. Como anda o mercado de mídia física CD, discos de vinil e de livros na Angola?
Melina dos Santos: Olhe, é preciso ter consciência de que o acesso aos meios estruturais e financeiros consiste em uma questão a ser considerada quando falamos de Angola. Não há fábricas de prensagem de álbuns no país, muito do que se tem de lançamento de álbuns é realizado em Portugal ou África do Sul, por exemplo, embora a produção de música gravada de rock angolano esteja concentrada nas mãos do Tiago Oliveira do Estúdio 2, nos dias atuais. Aliás, as plataformas musicais como SoundCloud, Bandcamp, Spotify têm sido usadas pelos rockers como formas de distribuição musical. Há gráficas em Angola e os autores conseguem lançar seus livros de forma mais independente ou através de editoras portuguesas, mas sempre me lembro de um dos interlocutores da pesquisa, o Toke, comentar comigo que não havia como pesquisar Angola sem abordar a questão socioeconômica delicada de um país que enfrentou uma guerra de descolonização e, logo depois, caiu em uma guerra entre os partidos políticos MPLA e UNITA. Embora um dos meus medos tenha sido replicar uma imagem negativa de Angola na pesquisa, não pude desconsiderar o que os rockers me passavam como questões essenciais a serem abordadas.

Projectos Falhados – No repertorio dos shows, “Menina Veneno” do Ritchie!

5 – Rock Press: Deixe uma mensagem final aos leitores da Rock Press…
Melina dos Santos: Gostaria de agradecer ao Rock Press pela divulgação do livro e do movimento do rock angolano. Incentivos como os realizados pelo Rock Press são de extrema importância para se manter a cultura underground circulando. Espero que o livro seja uma forma de as pessoas conhecerem um pouco da produção cultural contemporânea de Angola e que os rockers angolanos possuam mais visibilidade no mercado musical brasileiro.

Tiranuz “Vou te Levar”, do Charlie Brown Jr em seus shows.

Recomendamos…
A cena rock mundial, não se limita apenas ao que é produzido na Europa, Estados Unidos ou mesmo nas áreas mais nobres das grandes capitais do Brasil, existe garage em todos os guetos do mundo, e onde existe garage ou um porão, existe a poesia do sonho de um jovem querendo escrever, produzir, compor e desenvolver alguma forma de arte e vale abrimos os olhos e para outras cenas. Aqui na Rock Press, já falamos de bandas de diferentes e distantes pontos do Brasil e do mundo, e ter o olhar, o respeito e os melhores sentimentos é algo que buscamos diariamente e acreditamos que esse contato com a cena rock angolana é algo que já está sendo muito proveitoso, e. sem duvida é algo que #recomendamos! – Michael Meneses!

Lançamento do livro “We do rock too: formas de criatividade do movimento do rock angolano” na UERJ

SERVIÇO:
LOCAL: Livraria da EdUERJ – Campus Maracanã da UERJ – Rua São Franscisco Xavier – 524 S-E (Hall do térreo) – Rio de Janeiro/RJ
DATA: Quinta-feira, 30 de março, às 17h.
INFO: https://www.instagram.com/p/CqDkCBBvWGy/
CONTATOS COM A EDITORA UERJ: 
SITE:
https://eduerj.com/
FACEBOOK: https://www.facebook.com/eduerj/
INSTAGRAM: https://www.instagram.com/eduerj/

LINKS SOBRE A CENA ANGOLANA:

OUÇA O ROCK ANGOLANO EM: https://www.youtube.com/playlist?list=PLPXKfuKJ7AfoB3WP-davQBJD9ugFNNVWl

BANDAS ANGOLANAS:
Sentido Proibido:
FACEBOOK:
https://www.facebook.com/sentidoproibidosp
INSTAGRAM: https://www.instagram.com/sentidoproibido_sp/

Dor Fantasma:
FACEBOOK:
https://www.facebook.com/dorfantasmametal
INSTAGRAM: https://www.instagram.com/dorfantasmathrash/
YOUTUBE: https://www.youtube.com/channel/UCzLTnoExc4mJX2RbOJdMS3g

RÁDIO CULTURA ANGOLA – 96.5 FM – Programa Volume:
FACEBOOK:
https://www.facebook.com/volume.dez

SELO CUBE RECORDS ANGOLA:
FACEBOOK:
https://www.facebook.com/cuberecordsangola
INSTAGRAM: https://www.instagram.com/cuberecordsangola/
SITE: https://cuberecordsangola.wixsite.com/cuberecordsangola
YOUTUBE: https://www.youtube.com/channel/UCoJHnH0sMTMhWok0k_5oYUw

DOCUMENTÁRIO DEATH METAL ANGOLA:
Trailer:
https://www.youtube.com/watch?v=yuG9xc2Qhzs

MICHAEL MENESES É o editor da Rock Press deste 2017, criador do Selo Cultural Parayba Records, fotojornalista desde 1993, foi fanzineiro nos anos 1980/90, fotojornalista, jornalista e cineasta de formação, pós-graduado em artes visuais. Fotografa e escreve para diversos jornais, revistas, sites e rádios ao longo desses últimos 30 anos, também realiza ensaios fotográficos de diversos temas, em especial música, jornalísticos, esporte, sensual, natureza... Pesquisa, e trabalha com vendas de discos de vinil, CDs, DVDs, livros e outras mídias físicas. Michael Meneses é carioca do subúrbio, filho de pai paraibano de João Pessoa e de mãe sergipana de Itabaiana. Vegetariano desde 1996. Torce pelo Campo Grande A.C. no Rio de Janeiro, Itabaiana/SE no Brasil e Flamengo no Universo. Atualmente, dirige o filme, “VER+ – Uma Luz chamada Marcus Vini, documentário sobre a vida e obra do fotojornalista Marcus Vini.

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