O ano novo virou trazendo a expectativa de uma nova era democrática e o dia 21 de janeiro marcou o início da temporada 2023 de shows de hardcore/punk/metal no Circo Voador. Para manter a tradição, o palco da casa recebeu naquela noite a carioca Punhal e a mineira Black Pantera, duas grandes revelações do punk/HC nacional abrindo o show dos veteranos paulistas do Ratos de Porão, uma das mais importantes bandas do estilo e que há 40 anos faz shows históricos na Lona da Lapa. A noite ainda contou com a discotecagem da DJ Cammy Marino.
RATOS DE PORÃO + BLACK PANTERA + PUNHAL + DJ CAMMY MARINO
Circo Voador – Rio de Janeiro – Sábado, 21 de janeiro 2023
TEXTO: Eduardo Martins e Michael Meneses
FOTOS: Carlos Elias Junior e Nem Queiroz
PUNHAL:
Afiado e Agressivo!
Depois de uma semana com dias de chuva e até de um certo friozinho em pleno verão carioca, o sol e o calor deram as caras no Rio de Janeiro. Parecia até que tinha combinado com o projeto Verão no Circo! Seja como for, o jogo demostrava-se ganho com o povo sendo visto desde cedo circulando pela Lapa e adjacências com suas camisas de bandas e afins. Sinal de que a festa de logo mais prometia.
E a promessa se cumpriu. A DJ (e Miss Tattoo) Cammy Marino (foto), iniciou os trabalhos comandando o som mecânico e seguiu com seu set antes e depois dos shows. Em seguida, os cariocas do Punhal, e logo nos primeiros acordes de “Só não vence quem não quer” a galera literalmente botou para correr um “fascistoide” perdido no rolé. O dito cujo foi identificado e “convidado” a se retirar do recinto pela produção. Prova cabal de que os envolvidos na cena que estavam presentes ali – banda, organização e público – não ficam apenas no discurso. Em seguida, a banda sentou a mão com as faixas “O Brasil não deixa” e “Liberal brazuca”. Antes de “Uma lei pra eles, outra pra nós”, o vocalista Sandro Oliveira fez uma excelente comparação sobre a maneira como a polícia tratou os professores manifestantes e os “bozonazis” em Brasília.
O público entrava no Circo Voador na medida em que o Punhal fazia sua apresentação, em sua maior parte baseada no disco “Entropia”, de 2021. Uma bela roda se abriu nas duas últimas músicas do show: a “Mais um CPF cancelado”, presente no disco “Entropia” e “A história dos homens de bem”, do primeiro EP da banda.
Revelação do hardcore carioca, a Punhal tem de tudo para alcançar públicos maiores Brasil afora, já que os ingredientes necessários para uma banda de hardcore/crossover estão muito bem equalizados no trabalho dos quatro professores. As mensagens de cunho social aliado ao som, que se torna ainda mais intenso e agressivo ao vivo, ajudam a manter a personalidade da banda. Apesar do curto tempo de carreira, já tem um bom material lançado e parece ter muita lenha para queimar. Olho neles e para conhecer mais leia a entrevista que a Rock Press fez com eles AQUI!
BLACK PANTERA:
Revolucionando no Circo Voador!
Meses após a apresentação no Rock In Rio, os mineiros do Black Pantera retornaram ao Rio para mais outro show avassalador. A introdução com Jorge Ben Jor era o prenúncio do que estava por vir: uma avalanche de hardcore violento, nervoso aliado às mensagens antirracistas e de empoderamento negro, de extrema necessidade nos dias de hoje. Com três discos lançados e 9 anos de estrada, o Black Pantera vem divulgando seu mais novo álbum “Ascensão”, cuja recepção tem sido bastante calorosa, se levarmos em conta o que se viu no Circo Voador: uma sequência ininterrupta de “stage dives”, “moshs” e todo tipo de catarse que um bom show de hardcore merece.
A consciência e o empoderamento negro do Black Pantera ultrapassam as fronteiras do hardcore. Um bom exemplo disso é a pesadíssima versão para “A Carne”, de Elza Soares, com direito a introdução contendo a versão original de uma das maiores vozes da nossa música e a citação aos Racionais MCs. Vale mencionar o “mosh” das meninas, que particularmente me fez lembrar dos veteranos do “Devotos”, de Recife, banda convidada pelo próprio Black Pantera para dividir o Palco Sunset do Rock in Rio. (Relembre AQUI!).
Após a intensa apresentação do Black Pantera – e é preciso ressaltar a dificuldade em mencionar um destaque em todo setlist – os mineiros se despedem do palco ao som do Rei do Soul, o grandioso James Brown, transformando o que era um show de hardcore num belo baile black.
O Black Pantera caminha a passos largos para deixar de ser vista como uma banda revelação e se tornar referência, principalmente no surgimento de mais bandas com membros negros. O hardcore repleto de referências a outros gêneros pesados joga a favor na disseminação do som dos mineiros.
RATOS DE PORÃO + CIRCO VOADOR:
A soma que nunca falha!
A frase “um bom filho à casa torna” se encaixa perfeitamente na relação entre Ratos de Porão + Circo Voador + Rio de Janeiro. Com 40 anos de estrada e mais de dez discos de estúdio, uma das maiores bandas do hardcore mundial retornava para apresentar o mais recente disco, “Necropolítica”, lançado em 2022. A faixa que abre o disco, também abriu o show, “Alerta Antifascista”. Na sequência, voltamos a 1989 com “Farsa Nacionalista” e “Amazônia Nunca Mais”, para logo voltar para mais uma nova, com “Aglomeração”.
A banda não tocava no Rio de Janeiro desde o Rock in Rio, onde fez um dos melhores shows nacionais do festival. Quem assistiu sabe o que estamos dizendo (relembre). A energia e a intensidade de um show do R.D.P. é algo difícil de explicar. A impressão que dava era que o público inteiro – e olha que tinha muito veterano de guerra no circle pit – havia recuperado o fôlego e tomado alguma coisa que deixou todo mundo com pilha de sobra para abrir outra sequência ininterrupta de “stage dives”, “moshs” e “surfing crowds”. Ainda que a banda tenha sofrido com alguns problemas técnicos no palco, não deixou a peteca cair em nenhum momento.
O setlist revisitou quase todas as fases da banda, surpreendendo muita gente como nas faixas “Descanse em Paz”, “V.C.D.M.S.A”, “Morte ao Rei” e a famosa “trinca de curtinhas” eternizadas no clássico álbum “Vivo”, de 1992: “Guerrear”, “Políticos em Nome do Povo” e “Caos”.
Durante o dia corria o papo nos bastidores uma participação do Marcelo D2, que havia se apresentado na noite anterior (leia aqui), em “Beber Até Morrer”, e em “Crise Geral”, mas a jam acabou não acontecendo. O fim desta verdadeira aula de hardcore foi com “Obrigado a Obedecer”, do “Crucificados pelo Sistema”, do longínquo ano de 1984.
A abertura da temporada de shows de hardcore/metal no Circo Voador não poderia ter sido mais adequada. O caráter democrático de ceder espaço a revelações do cenário – vide o Black Pantera e o Punhal – junto aos veteranos consagrados do Ratos de Porão mantém a tradição da casa e mostra a renovação tanto do público quanto das bandas. Olhos e ouvidos atentos às revelações que se apresentaram nesta noite! Parabéns ao Circo Voador e as produtoras Tomarock Produções e A Grande Roubada Produções por promoverem essa festa!
Um dos pilares do rock é a contestação e, se levarmos em consideração que o punk é o seu filho mais rebelde, o hardcore é seu neto mais barulhento e ainda mais contestador. Logo, acreditamos que esses estilos são espaços libertários e de contestação, nos quais não se devem tolerar atitudes preconceituosas. Que venham mais shows em 2023! – Eduardo Martins e Michael Meneses.
Eduardo “Dudu” Martins – filho do Méier, pai da Isabel, jornalista, editor audiovisual, historiador, vascaíno relapso, suburbano incorrigível, devoto de Nelson Rodrigues, aficionado por literatura, butecos, “xumiau”, futebol alternativo, e que sonha em ver o Bangu ou o Madureira sendo campeão. Estudante de música flamenca, líder do @sovietcanibal e baixista da @forkillofficial.
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