Com o Circo Voador lotado a turnê latino-americana do Napalm Death aportou no Rio de Janeiro na quarta-feira 23 de outubro, em noite que ainda contou com shows Ratos de Porão, Ação Direta e discotecando Chorão³, que fez sua estreia na Lona da Lapa. Saiba como foi no texto que segue…
NAPALM DEATH + RATOS DE PORÃO
+ AÇÃO DIRETA + DJ CHORÃO³
Circo Voador – Lapa – Rio de Janeiro/RJ
23 de Outubro de 2024
TEXTO: Eduardo Martins
FOTOS: Marcelo Pereira
Cada uma a sua maneira, as três bandas veteranas da noite se tornaram referências em seus estilos ao longo de suas carreiras, com sólidas discografias e lançamentos regulares, demonstrando estarem em constante produção. Logo, era normal ter a expectativa de grandes apresentações e de casa cheia na lona mais democrática da cidade.
E não para por ai, entre um show e outro, DJ Chorão³ (foto ao lado) discotecou e fez sua estreia no Circo Voador.
AÇÃO DIRETA
Quem abriu os serviços da noite foram os paulistas do Ação Direta. Pontualmente às 20 horas, sem nenhum tipo de formalidade, invadem o palco sem cerimônia e, como uma locomotiva, despejam a fúria do seu hardcore, forjados em 37 anos de carreira. Capitaneados pelo carismático líder e vocalista Paulo Gepeto, buscaram cobrir em seu setlist todos os nove discos lançados. Letras de contestação, denunciando a desigualdade social amparadas em um instrumental ríspido, violento, pesado, coeso, muito bem executado e que funciona perfeitamente ao vivo.
Apesar da dificuldade em eleger destaques na apresentação intensa da banda, vale mencionar a homenagem à Dorsal Atlântica em “Caçador da Noite” e a faixa “Ação Direta”, do primeiro disco de 91. Se é possível escrever ou eleger uma cartilha de como se deve fazer hardcore, a Ação Direta é a banda obrigatória no curso.
Espera-se um retorno ao Rio de Janeiro o mais rápido possível e que mais pessoas compareçam da próxima vez, pois os que chegaram atrasados perderam uma das melhores apresentações de hardcore já vistas na Lapa.
RATOS DE PORÃO
Segunda atração da noite, a Instituição Nacional de Hardcore conhecida mundialmente como Ratos de Porão, subiu ao palco com uma plateia bem mais cheia e começou com “Alerta Antifascista”, da fase mais recente. Assíduos frequentadores do Circo Voador, podem tranquilamente receber o título de cidadãos honorários cariocas, tamanho entrosamento com o público da cidade.
No que tange às apresentações, dispensam maiores observações: violência sonora, rispidez, letras ácidas e uma coesão que só quem tem décadas de estrada pode entregar no palco. Moshpit pegando fogo, todo mundo cantando as músicas, uma festa. É necessário mencionar a sequência super brutal do “Vivo” de 1992 reproduzida novamente no show: “Guerrear”, “Políticos em Nome do Povo” e “Caos”.
NAPALM DEATH
Atração principal da noite, o Napalm Death, referência internacional de violência sonora desde 1982, abre a cerimônia com “From Enslavement to Obliteration”, faixa título do seu segundo álbum. Logo na sequência vem “Taste the Poison” e “Next on the List”, faixas do início dos anos 2000, quando deixavam para trás o flerte com o industrial do final dos anos 90 e retornavam às raízes mais extremas.
A turnê que atravessou a América Latina faz parte da divulgação de dois discos que se completam. O último lançamento é o EP “Resentment is Always Seismic”, uma continuação do disco anterior, o “Throw of Joy in the Jaws of Defeatism”. Ambos mesclam o experimentalismo destemido ao grindcore responsável por elevá-los a objeto de culto no underground.
“Contagion”, single de divulgação do disco, foi a primeira das novidades. Admito que estava curioso e apreensivo em saber como soariam os novos experimentalismos do Napalm Death no palco, mesmo ciente do funcionamento das faixas em estúdio. Para a minha surpresa, a reação do público foi positiva e o sucesso foi absoluto, trazendo densidade e dinâmica em meio ao som extremo. “Resentment Always Simmers”, “That Curse of Being in Thrall” e “Amoral”, com trechos vocais melódicos cantados por Shane Embury – sim, você leu isso -, escancaradamente influenciados por Killing Joke funcionaram muito bem no repertório ao vivo.
Vale mencionar a simpatia do já senhor Mark “Barney”, ao falar espanhol num esforço de se comunicar melhor com a plateia, além do discurso libertário presente nas mensagens da banda. Percorrer e cobrir todas as fases de uma carreira tão produtiva e repleta de fases como a do Napalm Death é uma tarefa das grandes, mas eles conseguem mandar bem. Dividido em temáticas, dos primórdios do grindcore e do death metal com os experimentalismos e novas roupagens para o som extremo com os discos do século XXI, souberam promover um massacre sonoro, orquestrando circle pits gigantes na lona da Lapa, principalmente na segunda metade do set, quando tocaram clássicos como “Suffer the Children” e “Mass Appeal Madness”.
O ápice foi com a sequência ultra violenta que merece ser descrita: “Scum”, “M.A.D”, “Sucess?” – que pegou todos de surpresa – e “You Suffer”. Encerraram a apresentação com “Instinct of Survival” e a surpreendente porém melancólica “Contemptuous”, que também fecha o clássico “Utopia Banished” de 1992.
Dos primórdios do hardcore até a criação e desenvolvimento do grindcore, passando pelo death metal, influências do industrial e até mesmo do alternativo, o Napalm Death sempre prezou pela violência sonora e por um discurso antifacista de contestação ao sistema e às injustiças do mundo, fazendo suas músicas e mensagens soarem sempre contemporâneas. Ainda que a maioria do público fosse acima dos 40 anos, é necessário mencionar a grande quantidade de jovens, provando que a banda é capaz de promover renovação de público, tornando sua carreira relevante até os dias atuais. – Eduardo Martins.
Eduardo “Dudu” Martins – filho do Méier, pai da Isabel, jornalista, editor audiovisual, historiador, vascaíno relapso, suburbano incorrigível, devoto de Nelson Rodrigues, aficionado por literatura, butecos, “xumiau”, futebol alternativo, e que sonha em ver o Bangu ou o Madureira sendo campeão. Estudante de música flamenca, líder do @sovietcanibal e baixista da @forkillofficial.
MARCELO PEREIRA – Fotógrafo e cinegrafista, roqueiro, fanático em rock desde o metal extremo ao progressivo, que colaborou com sites e revistas nacionais e estrangeiras, zineiro, colecionador, propulsor de divulgação do metal nacional, tape-traders, estudou rock jamais imaginando ter universidade do rock e um não repórter que faz o que faz porque ama, pois não vive disso, mas o rock pulsa nas veias!