Com setlist variado, o quarteto punk/grunge L7 volta ao Brasil após 5 anos e faz um show energizante que remete à sua apresentação no Hollywood Rock de 1993. Na mesma noite, tocaram os capixabas do Mukeka di Rato, abrindo os trabalhos, e o Black Flag, que encerrou a noite com um show de quase três horas e discotecando entre os shows, DJ Fester.
Mukeka di Rato + L7 + Black Flag + DJ Fester
Sacadura 154 – Rio de Janeiro/RJ
29 de Outubro de 2023
TEXTO: Larissa Oliveira, Wes Ferrer e Michael Meneses!
FOTOS: Michael Meneses!
A capital carioca ainda respirava o clima do show do Roger Waters (leia aqui) e do Machine Head, que aconteceram na noite anterior e para fechar o final de semana (e do mês) com chave de ouro, apresentações do Mukeka di Rato, L7, Black Flag e DJ Fester.
Mukeka di Rato in Rio – Um show que nunca falha!
A noite já estava animada com o DJ Fester mandando uns rocks dos bons no som mecânico. Foi a deixa para os carioca recepcionarem os capixabas do Mukeka di Rato, que teve a missão de fazer o primeiro show. Logo de cara, começaram com “Rinha de Magnata”.
O show contou com o clássico “Viva a Televisão”, juntamente com músicas do maravilhoso disco Boiada Suicida! Com um público que chegava cada vez mais na grade com camisas do L7, o Mukeka mostrou que continua sendo uma das bandas mais legais, com seu som tosco, necessário e urgente. Enquanto parte do público não arredava o pé da frente do palco, mais ao fundo da casa o povo mostrava a satisfação com a banda, usando suas camisetas e puxando a roda punk. E, justiça seja feita, essa banda do Espírito Santo sempre foi respeitada no Rio de Janeiro. Não importa se é um show completo ou mais curto, o Rio ama o Mukeka (e a banda idem), desde os tempos das primeiras demos-tapes nos anos 1990. Foi assim no Circo Voador em maio (leia aqui), não foi diferente dessa vez e não será diferente em um próximo shows da banda ao Rio de Janeiro. E sim, hino “Pasqualin na Terra do Xupa Kabra” segue agradando geral!
L7 – Energético, Divertido e Preciso como Sempre!
Depois de passar por São Paulo, Ribeirão Preto/SP, Curitiba/PR, Porto Alegre/RS, Belo Horizonte/MG (leia aqui), chegou a vez do Rio de Janeiro. E, em um domingo chuvoso, só mesmo uma banda como L7 para aquecer o coração de fãs cariocas e de outros estados (teve gente do Espírito Santo, Bahia e, vindo de Alagoas, o artista plástico Cristiano Suarez, que assim como em 2018, produziu o cartaz oficial do show do Rio de Janeiro. Imagem acima).
Há 30 anos, Donita Sparks (guitarra/vocal), Jennifer Finch (baixo/vocal), Suzi Gardner (guitarra/vocal) e Dee Plakas (bateria/backing vocal) estavam no auge com o sucesso do disco “Bricks Are Heavy” (1992). O clipe de “Pretend We’re Dead” mostrava o estilo despojado e irreverente da banda, agradando tanto o público emergente do Grunge quanto o do rock feminino mais engajado. No show do grupo no Hollywood Rock de São Paulo e do Rio, houve roupas para o ar, piruetas, falhas nos equipamentos e, por muitas vezes, as meninas paravam o show para chamar atenção à falta de respeito dos homens da plateia, que as objetificavam.
O que mudou e o que permaneceu o mesmo desde então? L7 teve que lutar três vezes mais para ser respeitada do que as bandas masculinas de sua época. Em 2018, quando voltaram aos palcos depois de décadas, e agora em 2023, elas estavam mais à vontade nos palcos. Não fazem mais piruetas, mas flertam com a plateia, que também mudou muito de lá para cá. No show anterior, em 2018, estive em Porto Alegre, Donita disse que sairia num encontro amoroso com todos naquela noite; e no mais recente, no Rio, ela reclamou que estava quente pra caramba e éramos guerreiros. L7 tem a liberdade para fazer o que quiser.
A consolidação da banda é evidenciada com a casa lotada, a maioria dos presentes, de diferentes gerações, vestindo uma camisa da banda e cantando alto, trazendo sorrisos aos rostos das integrantes. Enquanto no Hollywood Rock a banda tinha que ouvir a plateia gritando por suas partes íntimas a cada música, no Sacadura 154, meninas eram a maioria na frente do palco e os gritos eram de admiração por uma banda com mais de quatro décadas de estrada e a mesma vitalidade.
É de praxe que a banda, surgida na Califórnia, comece o set com “Deathwish”, do “Smell the Magic” (1990). É uma típica música de Donita, com sua guitarra V dominando a sonoridade e centrada em suas paranoias. Outra característica que torna L7 uma banda importante é a irmandade presente entre as integrantes. Apesar da saída de Jennifer no fim dos anos 90 e do longo hiato da banda, a sintonia entre elas permanece a mesma. Donita abre espaço para um dos maiores hits “Andres”, do “Hungry for Stink” (1994), com Suzi Gardner nos vocais, sua guitarra verde e vermelha brilhante e seus riffs inconfundíveis. Houve uma falha técnica com o som de sua guitarra tanto nesse quanto no show de 3 décadas atrás, mas aqui, Suzi, em ato raro, tirou seus óculos escuros e encarou a plateia. Falando em ficar à vontade, em seguida tivemos uma das mais empolgantes músicas do L7, “Everglade”, do Bricks, com Jennifer cantando em ritmo diferente, portando sapatilhas e short jeans com patches da banda, mostrando que elas ainda rompem com noções de feminilidade. Aliás, em quase 2 horas de show e levando a turnê por mais de uma semana no Brasil, o quarteto rompe com a ideia de que existe um prazo de validade para mulheres em suas carreiras. Por várias vezes, Donita se junta a Jennifer e batem cabeça e se inclinam na frente do palco, encarando a plateia enquanto tocam. Suzi e Dee são mais contidas nas suas posições, mas emanam uma energia que preenche toda a atmosfera do local.
A vitalidade do L7 se comprova também com os mais recentes lançamentos que não ficaram de fora do set. Os fãs puderam conferir alguns sons lançados no álbum “Scatter the Rats”, de 2019, como “Stadium West” e “Fighting the Crave”, além da volta de “Wargasm” do “Bricks are Heavy”, que foi tocada aqui apenas em 1993, levando geral à loucura. A música que critica a Guerra do Golfo, não foi a única a trazer o teor mais político da banda. O single de 2017, “Dispatch From Mar-a-Lago”, segundo as palavras de Donita no show, “É sobre um idiota, é sobre Trump”. L7 também trouxe no repertório outra canção contestatória, “Can I Run?”, do álbum de 94, que foi dedicada no show a todas as vítimas de violência doméstica.
Algumas faixas dos últimos discos dos anos 90 da banda não foram esquecidas. Do “The Beauty Process: Triple Platinum”, de 1997, ouvimos “Non-Existent Patricia”, “Drama” e “Bad Things”; e do “Slap-Happy”, de 99, “Human”. Foi certamente um momento nostálgico para muitos fãs que conheceram a banda nessa fase mais hard rock e com roupas de couro. No entanto, a casa pegou mesmo fogo com as músicas deixadas por último, como “Shitlist” e “Fast and Frightening”.
Não importa a fase da banda, L7 sempre entrega algo único, apesar de manter atitudes e momentos do passado. É uma banda que não sofreu com a passagem do tempo e continua revigorante. Pessoas como elas, nos fazem acreditar que o rock não morreu e segue renascendo e inspirando diferentes gerações.
BLACK FLAG – Punk Rock e Hardcore intactos!
Encerrando a noite, a pioneira do hardcore, Black Flag, volta ao Brasil pela segunda vez, com presença carimbada do fundador e guitarrista, Greg Ginn e do vocalista e skatista profissional, Mike Vallely. As novas figuras do quarteto criado em 1976 são o simpático baixista Harley Duggan e o eletrizante baterista Charles Wiley. A casa estava cheia de fãs do Black Flag, que queriam ouvir na íntegra o álbum “My War”.
Antes do show, Greg Ginn, o “the boss” e autor das principais composições, e os demais músicos, de forma humilde, montavam seus equipamentos; a própria banda ajustava tudo no palco, eles eram os roadies deles mesmos. Mostraram toda sua calma naquele momento para minutos depois, darem voz a distorção de forma impecável!
Já em ação, Mike Vallely se demonstrou impactante com seu vocal potente, não deixando a desejar para quem curtia o Henry Rollins. Mike voltou ao Brasil de cabeça raspada e com seus olhos esbugalhados e vocal rasgado, lembrava o emblemático ex-vocalista da banda, Henry Rollins. Apesar disso, são artistas diferentes. O Black Flag de Henry tinha uma atitude muito mais na-sua-cara e visceral. Isso não desvalida o poder de Mike em levar para frente há 10 anos uma banda que permaneceu no hiato por quase 30 antes de sua volta oficial em 2013.
Como foi falado há pouco, os presentes estavam ávidos pelo primeiro set do show que contava com o icônico álbum “My War” (1984) na íntegra. Aliás, no fim do show, Greg e sua trupe desceram do palco para darem autógrafos e foi possível perceber que sua assinatura era apenas o nome do disco. Apesar de muitos fãs terem o “Damaged” (1981) como o grande trabalho do Black Flag, “My War” tem seus marcos na cultura, como um dos álbuns na famosa lista de 50 álbuns preferidos de Kurt Cobain do Nirvana, além de ser citado como essencial para a formação do Grunge. E a sensação foi como estar em um show hardcore dos anos 80, com boa parte do público no mosh pit, cantando todas as faixas, e menos preocupado em registrar o show com celulares e afins.
Teve um intervalo de quase meia hora. E mesmo ao som de jazz, o público não arregou o pé para a melhor parte do show, fazendo a casa tremer! No meio do show, enquanto a guitarrista Suzi e a baixista Jennifer Finch, assistiam ao Black Flag dos bastidores, e eis que a guitarrista é intimada a apresentar com a banda “Slip it In”, neste, momento a baixista Jennifer descia até próximo a grade para filmar a companheira de banda.
Para quem não sabe, L7 e Black Flag têm várias coisas em comum. Além de serem bandas californianas, a baixista do L7, Jennifer Finch, era uma ávida fotógrafa da cena punk/hardcore nos anos 80, da qual o Black Flag fazia parte. Como mencionado anteriormente, o show do Black Flag foi nostálgico e Jennifer apareceu descalça com sua máquina fotográfica na frente da grade para registrar o show e cantar. Suzi Gardner contribuiu com seu vocal na faixa-título do álbum, “Slip it in” (em que participou em 1984) da banda de Greg. Para a surpresa dos fãs das duas bandas, Suzi subiu ao palco para dividir o microfone com Greg Ginn. Apesar de algumas falhas técnicas, parecia se divertir, pulando e trocando sorrisos com Greg.
O set, ainda teve direito aos clássicos, “Nervous Breakdown”, “Black Coffee”, “Gimmie, Gimmie, Gimmie”, “TV Party” e claro “Rise a Bove” e o show terminou com a versão dançante experimental para o eterno hino do rock “Louie Louie”, de autoria de Richard Berry and The Pharaohs, de 1957, a música ganhou versões de dezenas de bandas ao longo dos anos, desde sua primeira com Rockin’ Robin Roberts, e seguiu sendo tocada por diversos outros nomes, entre os quais, The Kingsmen, Otis Redding, Beach Boys, Kinks, The Sonics, The Ventures, The Troggs, Iggy Pop, The Fall, Motörhead, The Clash, Australian Crawl, Joan Jett…
Memorável…
Ao final da versão extensa de “Louie Louie”, conforme falamos acima, sem muitas cerimônias, Greg Ginn e banda desceram do placo calmamente e seguiram em direção ao público para fotos e, autógrafos. Simpatia total! Vale parabenizar e mencionar que a iniciativa do show no Rio foi da Onstage Agência que também foi responsável pela apresentação do L7 em 2018, havia produzido o Machine Head na noite anterior no Circo Voador e produz também no Sacadura 154, o show do Glenn Hughes no próximo dia 10 de novembro.
Localizada na Gamboa, zona portuária/RJ, o Sacadura 154, é um excelente espaço para shows. A casa não é nem grande, nem pequena, é simplesmente aconchegante e foi o espaço perfeito para esse evento lindo. De chato, apenas o fato que ao final do show, os funcionários foram colocando todo mundo para fora (o mesmo aconteceu no The Mission que aconteceu no próprio espaço) mesmo com a chuva que caía na região. Uma atitude lamentável, para uma noite #memoravel. – Larissa Oliveira, Michael Meneses! e Wes Ferrer.
LARISSA OLIVEIRA – Sergipana atualmente no Rio de Janeiro, é pedagoga e professora de idiomas (Inglês e Francês), escritora e editora dos Blogs A Redoma de Vidro e Mulheres da Geração Beat (e Women of the Beat Generation), escrevendo também para o Cine Suffragette e Portal Rock Press. Atua como zineira bilíngue e riot grrrl no @iwannabeyrgrrrlzine e como tradutora de artigos e livros. Não vive sem praia, CDs e batom.
MICHAEL MENESES – É o editor da Rock Press deste 2017, criador do Selo Cultural Parayba Records, fotojornalista desde 1993, foi fanzineiro nos anos 1980/90, fotojornalista, jornalista e cineasta de formação, pós-graduado em artes visuais. Fotografa e escreve para diversos jornais, revistas, sites e rádios ao longo desses últimos 30 anos, também realiza ensaios fotográficos de diversos temas, em especial música, jornalísticos, esporte, sensual, natureza... Pesquisa, e trabalha com vendas de discos de vinil, CDs, DVDs, livros e outras mídias físicas. Michael Meneses é carioca do subúrbio, filho de pai paraibano de João Pessoa e de mãe sergipana de Itabaiana. Vegetariano desde 1996. Torce pelo Campo Grande A.C. no Rio de Janeiro, Itabaiana/SE no Brasil e Flamengo no Universo. Atualmente, dirige o filme, “VER+ – Uma Luz chamada Marcus Vini, documentário sobre a vida e obra do fotojornalista Marcus Vini.
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