No último 4 de maio, Madonna realizou o show de encerramento da Celebration Tour na Praia de Copacabana (RJ) que percorre seus 40 anos de carreira. Diferentes gerações de fãs presenciaram um momento histórico banhado pelos maiores hits da diva do pop.
MADONNA IN RIO:
Show em Copacabana comprova porque Madonna é a rainha do POP!
Praia de Copacabana – Rio de Janeiro – Brasil
4 de Maio de 2024
TEXTO: Larissa Oliveira
FOTOS: Marcos Hermes
Fervendo pelo seu amor…
A noite de sábado (4) a capital carioca fervia. Fazia calor no outono, mas nada de folhas caídas. A Praia de Copacabana foi tomada por leques coloridos que se uniram em um único som, capaz de estremecer estruturas e anunciavam a quarta vinda ao Brasil daquela que rompeu diversas barreiras para vozes marginalizadas. Madonna Louise Ciccone nasceu em 1958 em Michigan (EUA). Sua infância foi marcada pela perda da mãe e por repressão religiosa. Quando adolescente, ganhou uma bolsa de estudos de dança em uma Universidade conceituada, mas abandonou o curso e com $ 35 dólares, partiu para Nova Iorque em busca de algo maior para si. Por esse motivo, foi emocionante ver Madonna aos 65 anos, dizer ao público, no início do show, para não esquecer suas origens, vê-la relembrar da sua fase punk no antológico CBGB, quando compôs sua primeira música na guitarra, “Burning Up”.
Porém, antes de Ciccone subir ao palco, o público foi aquecido pelo DJ hitmaker estadunidense Diplo, e a Drag Bob The Drag Queen, mais conhecida por ganhar a principal competição de Drags do mundo, a RuPaul’s Drag Race. Ela sintonizou, assim, o que viria a ser o tom do espetáculo. Pois, se tem um público ao qual Madonna deve tudo e que ela sempre fez questão de reconhecer, é o público LGBTQIAP+. Copacabana, que nos últimos anos foi tomada por protestos fascistas pró-Bolsonarismo, agora era lugar da diversidade. Vi pessoas da terceira idade, crianças, entre outras, com camisetas, faixas, fantasias, tinha até cerveja batizada da Madonna nas ruas. Só mesmo um show da Madonna para mostrar que o Brasil ainda pode palco da alegria e diversidade somadas à música.
Madonna viveu para contar…
A diva subiu ao palco com um pequeno atraso, e levou um dos singles do seu álbum trance de 1998, Ray of Light, “Nothing Really Matters”. A cantora, que também é atriz, compositora e chegou até a lançar livros infantis, intercalava as músicas com colagens de imagens e vídeos da sua carreira em vários telões espalhados pela praia. Além disso, seu discurso ora reconhecia as pessoas que a ajudaram a chegar lá, ora encorajava seus fãs a não terem medo, resistirem e serem quem são. Para quem conhece a sua trajetória, sabe que Madonna lutou por diversas vezes pela sua autenticidade em uma indústria sexista. Isso se deu até em seu primeiro hit “Everybody” que foi a segunda faixa do show, e que teve um clipe transgressor na década de 80 ao mostrar casais gays dançando na pista.
Seguindo com “Into the Groove”, “Burning Up”, “Open Your Heart” e “Holiday”, vi ao meu redor, mulheres que cresceram com Madonna relembrarem sua juventude e se divertirem. Madonna não só marcou gerações por conta da sua música. Sua corrente com crucifixo, saias que cobriam leggings coloridas, cabelos loiros e despenteados e maquiagem pesada, assim como o seu corset dourado e cabelo platinado, estavam ali nos detalhes dos looks dos dançarinos, em sua maioria LGBTQIAP+ e negra, e nos da própria artista. O set animado cede lugar à emoção em um dos momentos mais esperados da noite. “Live to Tell”.
Com um tom mais intimista, a pista de dança do palco dá espaço a um banco de praça, onde Madonna nos convida a nos sensibilizarmos com as inúmeras personalidades que perderam suas vidas por conta da AIDS. Como ativista global que sempre foi, a cantora fez questão de ilustrar brasileiros nos telões como Renato Russo, o cineasta Leon Hirszman e no fim da canção, Cazuza, que foi um momento emocionante no show, levando a própria Madonna às lágrimas. Ela foi uma das principais ativistas da causa no auge da epidemia, doando fundos de turnê e dando entrevistas. Outro artista homenageado foi seu grande amigo artista e ativista, Keith Haring, que faria 66 anos no mesmo dia do show. Porém, as homenagens não pararam por ali. Outras personalidades que não estão associadas à epidemia também figuram os telões como Gilberto Gil, Marina Silva e Marielle Franco.
As fortes emoções continuam com uma performance poderosa de “Like a Prayer” contando com um carrossel religioso e corpos masculinos que remetem à prática do BDSM. Na época do clipe da música, Madonna foi excomungada pela igreja, a primeira de três vezes por apresentar um Jesus Cristo negro. Ela não só rompeu tabus relacionados à sexualidade e ao gênero, mas também à religião e seus dogmas. Ademais, seu filho adotivo David Banda fez uma aparição tocando um solo guitarra no fim da música em homenagem a Prince, que contribuiu com a canção, e outras do mesmo álbum, nos anos 80.
Meu nome é Dita, serei sua anfitriã esta noite…
Em 1992, Madonna causou novamente ao adotar seu alter-ego dominatrix Dita no seu livro de fotografias eróticas, SEX e álbum Erotica. O livro segue esgotado, mas seu teor quase custou sua carreira. Muitos bateram o martelo que seria o seu fim, no entanto, ao se unir a personalidades de diferentes gêneros e sexualidades, Madonna, na verdade, criou mais um registro revolucionário no mundo das Artes. Ao performar a música no show, simulou masturbação algo já feito ao vivo há décadas e portava uma camisola de seda. Algo bem-comportado se comparado ao que foi feito na época.
O show segue com “Justify My Love”, outra obra-prima do lado mais vintage e erótico da artista, e em seguida temos o grande hit da sua fase disco, “Hung Up”. Antes de falar da próxima faixa, é importante relembrar que na turnê do Confessions on the Dance Floor, álbum do qual Hung Up faz parte, Madonna já estava com quase 50 anos e cantou e dançou movimentos que exigiam muito mais do corpo por conta do ritmo adotado. Portanto, apesar de ter decido utilizar playback na maioria das canções da turnê atual, além da ausência de uma banda, suas turnês passadas são prova de que ela era a rainha do pop também pela entrega total nas suas apresentações. Aos 65 anos e após ter adiado o início da Celebration ano passado por conta de uma internação hospitalar, Madonna tinha, sim, a liberdade de encerrar a sua carreira como desejasse. Portanto, ela solta a voz em “Bad Girl” acompanhada de sua filha Mercy, no piano. Outra filha sua, Estere, sobe ao palco para dançar durante “Vogue”. Foi outro ponto alto da noite, a música é uma homenagem à cultura gay latina e negra do concurso e baile drag, também chamada de “voguing”, ganha vida no palco com um desfile e tendo como juradas a própria Madonna e Anitta. Também ouvimos “Crazy For You” o primeiro single de Madonna a concorrer ao Grammy e parte da trilha sonora do filme “Em Busca da Vitória” (Vision Quest), e “Die Another Day”, tema do filme 007 – Um Novo Dia Para Morrer.
Música mistura a burguesia e os rebeldes…
Madonna mostra mais uma vez que ainda canta muito ao apresentar uma versão acústica de “Express Yourself”, levantando o coro da praia de Copacabana, e calando a boca de críticos. Depois, mais um hit oitentista, “La Isla Bonita”, o que me fez sentir falta de outros como “Material Girl” e “Papa Don’t Preach”.
Chegamos no grande legado da noite. “Music” traz Madonna e a cantora Drag, Pabllo Vittar com camisas da Seleção customizadas, além da bateria formada por 12 jovens das escolas de Samba do Rio. O momento repercutiu, pois, a extrema-direita havia adotado a camisa e a bandeira nacionais como símbolos próprios, e Madonna em mais um passo revolucionário, trouxe de volta para o povo, mostrando que o símbolo é de todos. A euforia de “Music” até ofuscou a próxima música, “Bedtime Story”, do álbum de mesmo nome e considerado o seu mais subestimado. “Ray of Light” foi a que mais animou na sequência final, seguida de “Rain”, ambas grandes provas do poder experimental da cantora na década de 90.
Madonna ainda encontrou uma brecha para homenagear o rei do Pop, no Medley de “Like A Virgin” e “Billie Jean”, já que desde os anos 80, ela intercala as músicas de mesma batida em seus shows ao vivo. A rainha do pop finaliza sua tour com as divertidas e atuais “Bitch, I’m Madonna” e “Celebration”, mostrando que apesar dos altos e baixos de sua carreira, tudo termina em festa.
Para refletir…
A quarta passagem de Madonna pelo Brasil não poderia ter timing melhor. Somos um país dividido e terreno fértil para ideais fascistas. O impacto Madonna se dá pela própria representar tudo que é progressista e o fato de muitos ainda se chocarem com seu show prova que o Brasil é sem memória. Ou pelo menos finge não ter. Aos 65 anos, Madonna parecia estar aterrizando aqui pela primeira vez, e ainda assim, ninguém é capaz de destroná-la. Nenhuma artista da música teve o poder de abraçar tantas causas, derrubar portas e permanecer intacta. Se por um lado, ela assombra quem vive sob a luz da ignorância, por outro, ela trouxe a luz aos que encontraram em sua música a resistência para seguir em frente neste país que seria menos desigual se marchasse ao ritmo que uma canção de Madonna. – Larissa Oliveira.
SETLIST:
It’s a Celebration (com Bob the Drag Queen)
Nothing Really Matters
Everybody
Into the Groove
Burning Up
Open Your Heart
Holiday
Live to Tell
Like a Prayer
Erotica
Justify My Love
Hung Up
Bad Girl
Vogue
Crazy for You
Die Another Day
Don’t Tell Me
Express Yourself
La Isla Bonita
Music
Bedtime Story
Ray of Light
Rain
Like a Virgin/Billie Jean
Bitch I’m Madonna
Celebration
LARISSA OLIVEIRA – Sergipana atualmente no Rio de Janeiro, é pedagoga e professora de idiomas (Inglês e Francês), escritora e editora dos Blogs A Redoma de Vidro e Mulheres da Geração Beat (e Women of the Beat Generation), escrevendo também para o Cine Suffragette e Portal Rock Press. Atua como zineira bilíngue e riot grrrl no @iwannabeyrgrrrlzine e como tradutora de artigos e livros. Não vive sem praia, CDs e batom.