LULA CÔRTES e ZÉ RAMALHO – PAÊBIRU: 50 Anos de um Disco Histórico! DISCÃO

Um disco marcou a trajetória de Zé Ramalho e de Lula Côrtes. Eles sequer desconfiavam que “Paêbiru” viria a ser um dos discos mais caros do mundo. O álbum completou 50 anos e ganhou edição especial da Polysom. Saiba mais na coluna Discão da Rock Press!

TEXTO: Leozito Rocha
FOTO: Divulgação

Do tupi-guarani, Paêbiru significa: “Caminho amassado Gramado”. Ou para os mais íntimos: “Caminho que leva ao Céu”. Pois é. E, levava mesmo. Pelo menos no trabalho artístico de Zé Ramalho e Lula Côrtes. Mas, antes disso um pouco de história…

O Paêbiru (Ou Peabiru) era nos tempos antigos uma rota, um caminho muito sagrado e espiritual para os povos nativos da América do Sul. Nesse caminho eles cruzavam um lado inteiro do continente. Conhecido como o “Caminho da Montanha do Sol” (ou “Caminho do Peabiru”) era uma estrada construída pelos indígenas guarani há mais de mil anos, e ligava o Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico, Santa Catarina à Machu Picchu (Peru). Quem fez esse caminho costumava dizer que era algo mágico, espiritual, divino, etc… São quase 4.000 mil quilômetros, e acredite, os indígenas iam a pé. Uau! Infelizmente essa rota também foi usada pelos europeus para o domínio e exploração no século XVI. Por ali espanhóis dominaram boa parte dos povos andinos. Mas, essa é uma história que vocês já sabem (ou deveriam saber) e a questão aqui é mais musical. Contudo, ainda temos que dar mais contextos temporais. O famoso background da época…

Década de 70, a era hippie rolando, o ácido e o cogumelo a toda, liberdade, etc. Muitos discos psicodélicos haviam sido lançados, como: Freak Out! de Frank Zappa, Sgt Peppers dos Beatles entre outros. Tá… Cream, 13th Floor Elevators, Grateful Dead, Pink Floyd, Love e tal… Ok? Ok.

Aqui no Brasil os próprios Mutantes desciam a lenha com discos maravilhosos. Um jovem bonito com olhos marcantes chamado Ronnie Von também gravava bolachas experimentais. Só que mais ao norte do país, em Recife (nordeste) propriamente, dois jovens músicos gravariam um disco que entraria para a história da música popular brasileira. Sim, Zé Ramalho (ainda virgem em termos fonográficos, mas já atuante nos palcos e despertando no então Rock Brasil e da MPB) e Lula Côrtes (com o álbum “Satwa” lançado em 1973 parceria com o músico, desenhista e jornalista Lailson).

Zé Ramalho e Lula Côrtes juntaram forças e mentes e lançaram em 1975 o disco “Paêbiru” pela Rozenblit (e em 2019 relançado pela Polysom em vinil 180g). Um marco psicodélico nordestino. Um trabalho primoroso e criativo.

Quem comprou a ideia foi justamente José Rozenblit (fundador da gravadora homônima). Por muito tempo sua fábrica de discos foi considerada a maior fabricante de discos vinis do Brasil. Seu filho, Hélio, afirmou em entrevistas que aquele trabalho foi um dos mais corajosos que seu pai fizera. De fato, as canções eram experimentais, psicodélicas, entoantes e nada convencionais. Foi um super risco. Tanto que as vendagens não chegaram a satisfazer nem os músicos nem a própria gravadora. Há quem diga que Zé Ramalho sequer gosta de falar sobre. O motivo é bastante pertinente. Segundo o cantor, na década de 70, ninguém focou na divulgação do álbum. Por isso ele guardou essa bronca e não via motivos para ficar comentando.

O nome batizado também é bastante apropriado. Lula e Zé foram até a Pedra do Ingá, na Paraíba e por lá fizeram expedições munidos de muitos cogumelos. Enquanto caminhavam ouviam as histórias de Sumé (entidade mitológica), Iemanjá entre outras entidades e mitos. Participaram de alguns rituais e incluíram tudo nesse trabalho. Zé com seu violão e Lula com seu tricórdio (quase um bandolim) puseram toda criatividade e esoterismo em 13, 14 faixas.

Difícil mencionar as faixas individualmente, pois há uma sequência e linearidade formada em sonoridades, mantras, dizeres, etc. Uma continuidade faixa a faixa. Podemos dizer que a audição é uma verdadeira experiência lisérgica. Tipo do disco que deixa a gente chapado só de ouvir.

Mas, gosto de citar certas músicas ali como: “Não Existe Molhado Igual ao Pranto” (um hino psicodélico) ou o começo mesmo com a sequência de duas em uma em “Trilha de Sumé” e “Culto à Terra”. A própria “Omm” e seus seis minutos hipnotizantes. Dedilhados, cítaras e flautas.

Podemos citar também o início da bateria selvagem em “Nas Paredes da Pedra Encantada, Segredos Espalhados por Sumé” ou a guitarrada em “Raga dos Raios”. Tudo muito livre e experimental. Puta disco! A canção “Louvação a Iemanjá” começa com um pai de santo cantando um ponto. Ritual puro!

Vale ressaltar a presença dos músicos Alceu Valença (além de instrumentos ele imitou moscas e besouros com a boca) e Geraldo Azevedo na gravação de muitas faixas. Auxílio sofisticado, luxuoso para esse trabalho de Lula e Zé Ramalho. O projeto previu quatro lados: Terra, Ar, Fogo e Água. Os elementos fundamentais para esse tipo de arte.

Falando em arte, a capa (arte gráfica) ficou por conta de Katia Mesel – esposa de Lula à época. O disco original vinha também com um texto explicativo sobre a história do caminho do sol. Lendas e estudos sobre o Peabiru.

Zé Ramalho seguiu seu caminho com discos maravilhosos ali ao fim dos anos 70 e 80. Até hoje faz shows e lança trabalhos. Lula Côrtes chegou a lançar mais alguns trabalhos, porém faleceu em 2011 devido a um câncer de garganta.

A prensagem foi de mil e trezentas cópias. Porém, uma enchente no Recife acabou destruindo mil cópias e sobraram trezentas pelo país. E, são essas mesmo que valem uma grana hoje em dia. Viraram raridades.

Raros mesmo. E, essa preciosidade completa cinquenta anos nesse ano de 2025. Uma verdadeira obra-prima da psicodelia, da música popular brasileira. Se você nunca ouviu esse disco faça esse favor. Ouça, ao menos, uma vez. Vale a pena! Garanto que a experiência será incrível. E, depois dela você nunca mais será o mesmo. Ok? – Leozito Rocha.

LEOZITO ROCHA – É radialista, pesquisador musical, escritor e amante de cinema. Colaborador de sites musicais, curador de rádio, editor e apresentador do “O Som do Leozito” na Internova Rádio (OUÇA), e observador incurável. Seu facebook é aqui! 

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