FRANÇOISE HARDY: A França em forma de mulher!

Ícone maior da música francesa, Françoise Hardy, deixou o mundo no último dia 11. Hardy tinha 80 anos e em si uma idiossincrasia que transbordou para caracterizar um país e uma época.


TEXTO: Gabriel Farina
FOTO: Divulgação

Françoise Hardy foi o nome da voz melancólica primordial da canção francesa que cessou na última terça-feira (11/06). Françoise, claro, foi muito mais que uma voz. Sua existência parecia concentrar a estética de uma época que perdura em nossos conscientes ainda agora – nessa década, nesse século. A França em preto e branco na forma de uma mulher alta, magra, de franja e delineado de gatinho existe porque existiu Françoise Hardy.

A “chanson” (canção, literalmente) francesa atingiu um ápice pop nos anos 60. A França sempre ocupou um papel de vanguarda na arte, seja qual arte for. Vanguarda, é inclusive referenciada muitas vezes em francês mesmo – “avant-garde” – por um motivo. No entanto, a influência estadunidense na cultura comercial começou a ricochetear na Europa e sobretudo nos vizinhos britânicos. Surgiu, então, no início dos anos 60, uma geração de cantoras e cantores de música popular que incorporavam elementos da música anglófona – mais especificamente o chamado “Yeah Yeah Yeah”, que veio junto com a beatlemania. Por lá, ficou “Yé Yé Yé”. Bem, o que interessa é que Françoise foi sim a artista mais interessante e relevante – em termos históricos – a sair da música pop francesa dos anos 60.

O álbum mais conhecido de Françoise Hardy é o seu primeiro e homônimo. Curiosamente é o disco em que ela mais aparece como compositora de suas próprias músicas. Foi ela a responsável por clássicos como “Tous Les Garçons Et Les Filles” e “J’suis d’accord”, que inclusive conservam um senso de originalidade pop muito pertinente à sua data de lançamento: alguns meses antes do primeiro dos Beatles.

Ao redor dos anos 60 ela experimentou e construiu um repertório sofisticado que flertava com o Rock Barroco, a Bossa Nova e o Jazz. Um de seus melhores e mais consagrados álbuns, “La Question”, de 1971, foi composto ao lado de Tuca, violonista brasileira. Françoise mesmo já tinha vindo ao Brasil e participado de festivais de música popular por aqui. Sua imagem na frente do Corcovado existe pelos jornais brasileiros da época. Chegou a lançar um álbum promocional pela Philips com exclusividade nos Estados Unidos do Brasil. Na capa ao lado, com e elegância de Françoise está sentada no chão com uma roupa de Fórmula 1 amarela. Que linda foi a década de 60!

Sua imagem, inclusive, a fez um ícone da moda e da estética francesa. Apesar de antes musicista do que qualquer outra coisa, Françoise teve papéis no cinema e teve grande presença artística, espiritual e carnal na frente das lentes. Suas fotos clicadas por Jean-Marie Périer são ícones visuais que ecoam para sempre na velocidade da luz do mundo.

Foi na junção de imagem e som – foi na sua “Sound and Vision”, como em uma das canções de David Bowie, seu grande admirador – que Françoise permeou como um sonho francofílico os ares esfumaçados dos anos 60. Presença constante na em programas da TV francesa pré-videoclipe – ela aparecia estática, sem nenhuma dança, dublando sua voz, onírica por si só, em uma melancólica passagem que exprime a poesia do sexo feminino em sexualidade quieta e contida. Mas sempre muito feminina. Como poucas coisas.

Hardy foi a musa de Bob Dylan antes sequer de ambos se conhecerem. Foi pela TV que o jovem Dylan primeiro deitou os olhos sobre sua forma e foi, como muitos e muitas, apaixonado pelo que viu e ouviu. O poema “Untitled 2 (For Françoise Hardy)” apareceu primeiro na contracapa do álbum “Another Side of Bob Dylan”, de 1964. Poucos anos depois os dois chegaram a se conhecer. Françoise se sentia atraída, porém, por Mick Jagger, que por sua vez chegou a dizer que Hardy era “seu tipo” de mulher. Ela disse, já em tempos mais atuais, que aquilo foi a coisa que mais a fez se sentir bonita em sua vida.

Françoise lutava contra um câncer no ouvido já há 6 anos. Nesse tempo, ela aparecia na mídia em francês para advogar pela eutanásia – incluindo sua própria. Que descanse em paz, e que mesmo que nós, os admiradores de suas canções, como canta em uma de suas mais famosas “Comment te dire adieu”, também não saibamos dizer adeus, fiquemos dessa vez felizes pelo seu trabalho em vida. Que privilégio poder dizer que já se viveu o suficiente. – Gabriel Farina.

GABRIEL FARINA – Escreve por necessidade embora ainda não ganhe a vida com isso. Ouve Rock ‘n’ Roll desde que existe e música continua sendo a principal razão pela qual ele respira. Está cursando Jornalismo pela UFRRJ e é apaixonado justamente pela faceta musical do fazer. Realiza empreitadas pelo mundo das artes para além da escrita jornalística: faz música, pinta, se arrisca atrás de lentes e escreve em versos poéticos sem publicação. Alguns de seus textos estão disponíveis através de links na internet embora ele goste mesmo de coisa analógica. Para ele, discos de vinil são a amostra do mundo material mais valiosa. Nascido em Resende/RJ e morando na Baixada Fluminense, ele tem coisas a dizer sobre esse estado. Não come carne (nem mesmo peixe) já tem um tempo e é muito orgulhoso disso. Torce para o Flamengo por causa, primeiramente, de seu pai – e segundamente por ser, de fato, o maior time do Brasil. Tem tatuagem do Bob Dylan, Leonard Cohen, Gram Parsons, Lou Reed e São Jorge. Dirige o ainda não lançado mini-doc “Canto Geral – Uma Livraria em Seropédica”.

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