CREED III: O enegrecimento do símbolo do boxe hollywoodiano

O novo filme da franquia Creed é o primeiro sem a presença de Sylvester Stallone e seu icônico personagem, Rocky Balboa, além de marcar a estreia de Michael B. Jordan na direção. Creed III tem distribuição da Warner, já ultrapassou a marca de U$ 100 milhões de bilheteria e segue em cartaz. A Rock Press assistiu. Leia mais na matéria que segue.

CREED III:
O enegrecimento do símbolo do boxe hollywoodiano

TEXTO: Nilvio Pessanha
IMAGENS: Divulgação

Antes de falarmos da franquia de Creed, é preciso voltar no tempo. Mais precisamente, voltar para o ano de 1975, quando Sylvester Stallone escreveu o roteiro de “Rocky”, após assistir à luta Muhammad Ali e Chuck Wepner. De posse desse roteiro, Stallone partiu para garantir que não só o filme fosse feito, mas também que ele interpretasse o protagonista. O que aconteceu no ano seguinte e acabou garantindo a Stallone uma indicação ao Oscar de melhor ator e o prêmio de melhor filme, que abriu uma franquia que conta com mais cinco sequências.

Gerações cresceram acompanhando Rocky Balboa lutando em seus filmes, ouvindo e se emocionando com a clássica trilha “Eye Of The Tiger”, da banda Survivor. Apesar de o boxe ser um esporte com amplo domínio de atletas negros, gerações cresceram com um lutador branco ítalo-estadunidense como o símbolo do esporte no cinema hollywoodiano. O garanhão italiano é o símbolo do orgulho branco no boxe nas telonas. E assim foi durante toda a franquia, incluindo o sexto filme, lançado em 2006, que já mostrava um Rocky Balboa velho, um tanto quanto decadente, convivendo com seus traumas e fantasmas.

Eis que, em 2013, foi anunciado que sairia um novo longa. Dessa vez, seria um derivado da franquia de filmes de Rocky, não com o lutador ítalo-estadunidense como protagonista, mas sim com Adonis Creed, filho de Apolo Creed, personagem vivido por Carl Wathers. Dirigido por Ryan Coogler e protagonizado por Michael B. Jordan, “Creed – Nascido Para Lutar” estreou em 2015, com Sylvester Stallone de volta ao seu consagrado papel, mas dessa vez ele é o mentor de Adonis. O filme traz ao universo de Rocky Balboa não só elementos da cultura negra, mas também a questão racial está presente desde o início quando vemos o protagonista ainda criança num reformatório cheio de meninos negros.

A representatividade de Creed também fica evidenciada em uma sequência em que Adonis está sentado no chão em frente à porta da academia de boxe, que está fechada, vivendo o conflito de se aceitar como sendo filho de Apollo – um dos maiores lutadores da sua época, mas também o pai que morreu sem ter conhecido o filho – quando chega um garoto negro numa moto e pergunta se ele é filho do Apollo. Ao responder que sim, o garoto diz “Legal!” e sai empinando com a sua moto. Numa outra sequência, Adonis está correndo, indo ver o Rocky e treinando ao mesmo tempo, e vários garotos negros de motos e outros veículos o acompanham fazendo um círculo quando ele para em frente à casa de seu mentor. São sequências que deixam claro que a cor do símbolo do boxe está mudando. A própria escolha do diretor Ryan Coogler não é mera coincidência. Nome que tinha em seu currículo “Fruitvale Station – A Última Parada”, filme sobre um jovem negro assassinado vítima de violência policial, também protagonizado por Michael B. Jordan.

“Creed – Nascido Para Lutar” foi um sucesso de público e crítica e abriu portas para sua sequência, “Creed II”, que estreou em 2018. O segundo filme é mais focado no universo de Rocky por trazer de volta Ivan Drago, personagem de “Rocky IV”, vivido por Dolph Lundgren, e junto com ele, seu filho, o jovem boxeador Viktor Drago. E, consequentemente, faz Adonis se voltar à questão da morte de seu pai, Apollo Creed, que faleceu na luta contra Ivan Drago no quarto filme da série de Rocky. Por coincidência ou não, considero o segundo longa o mais fraco da franquia derivada. Ryan Coogler não voltou para a direção, que ficou a cargo Steven Caple Jr. Sua direção não é ruim, mas não tem o mesmo apuro e sensibilidade de Coogler. Porém, verdade seja dita, a história que foi construída num roteiro de Coogler e Stallone não ajuda. Talvez, justamente pela presença de Stallone no roteiro, a história tenha ficado muito mais presa ao universo de Rocky do que a uma construção de um próprio de Creed. Não que o filme não funcione, mas não tem mesmo equilíbrio e magnetismo do primeiro.

Retornamos, então, ao presente, 2023. “Creed III” chega aos cinemas trazendo duas grandes novidades: a estreia de Michael B. Jordan na direção e a ausência de Sylvester Stallone e seu icônico Rocky Balboa. Que o garanhão italiano em algum momento iria se despedir, isso eram favas contadas, mas da forma que foi é que é a questão. Houve um desentendimento público entre Stallone e o produtor Irwin Wecler. Porém, o que nos interessa é o filme e que este se volta para olhar para dentro de um universo próprio de Creed e sua representatividade como símbolo do boxe hollywoodiano. Na busca por essa autonomia em relação à figura de Rocky, a trama de “Creed III” desloca seu espaço da Filadélfia para Los Angeles, onde Adonis, aposentado dos ringues, mora com sua família. Surge então uma figura que representa o passado de Adonis, passado este que ele tenta esconder, esquecer.

Damian Anderson – vivido pelo sempre ótimo Jonathan Majors – é a personificação de um tempo de lembranças dolorosas para o filho de Apollo. E essas recordações desagradáveis representam também o que passam muitos jovens negros estadunidenses: pobreza, violência, prisão etc. Damian era uma promessa do boxe quando se envolveu numa confusão iniciada por Adonis e acabou preso, passando 18 anos na cadeia. Ao sair, vai ao encontro de seu antigo amigo, cheio de mágoa, de ressentimento, por ter se sentido abandonado. A atuação de Jonathan Majors salta aos olhos por ir se mostrando gradualmente um antagonista realmente ameaçador e ajuda a construir tanto esse universo do Creed quanto a independência em relação à franquia anterior.

O grande destaque do filme, porém, é a direção do estreante Michael B. Jordan. Como diretor, mostrou segurança e competência na construção da trajetória dos dois personagens centrais. Jordan dá um show nas cenas de luta, principalmente na sequência da luta final, na qual ele ousa com planos mais estilizados. A direção de Jordan te conduz e faz com que você realmente se envolva e se emocione nos momentos mais emotivos. Com tudo isso, o diretor estreante constrói um filme que, embora não esteja no mesmo nível do primeiro longa da franquia, tem o êxito de se mostrar independente de Rocky. E mais ainda, “Credd III” tem o grande êxito enegrecer no cinema hollywoodiano um símbolo de um esporte que sempre foi dominado por pugilistas negros. “Creed III” aposenta de vez o símbolo branco de Rocky Balboa, para tornar o boxeador Adonis Creed o símbolo negro do boxe no cinema para as gerações mais novas.

Trilha Sonora…
Com a gravadora Dreamville Records, responsável pela trilha sonora, o longa traz canções de rappers como J. Cole (dono da Dreamville), Drake, Lute, J.I.D., entre outros. No geral, músicas com temas que falam de perseverança, dedicação como “Adonis Interlude (The Montage)”, por exemplo.

Estreia e Bilheteria…
“Creed III” que estreou no último dia 02 de março aqui no Brasil e no dia 03 nos cinemas estadunidenses já teve a melhor estreia da franquia arrecadando U$ 58 milhões no seu primeiro fim de semana. O filme já ultrapassou a marca de U$ 100 milhões de bilheteria e está em cartaz nos cinemas nacionais. – Nilvio Pessanha.

TRAILER: https://www.youtube.com/watch?v=koXO4bo8dEg

Nilvio Pessanha é morador do bairro de Campo Grande na zona oeste carioca, agitador cultural, coordenador do cineclube Cine Rua ZO, professor de língua portuguesa e literatura no município e do estado do Rio de Janeiro, pai do Francisco, vascaíno, é membro dos podcasts Trincheiras da Esbórnia (OUÇA AQUI!) e Cine Trincheiras (CONHEÇA AQUI)!

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