Após 10 anos fechado, o Canecão voltará. O consórcio entre as empresas Bonus Track e o Grupo KLEFER ganhou o leilão e vai reativar a casa que é um dos espaços mais importantes da música no Brasil. Ao longo dos anos, por lá, se apresentaram nomes de diversos estilos, entre os quais, Roberto Carlos, Novos Baianos, Terço, Iggy Pop, New Model Army, Uriah Heep, Black Sabbath, Sepultura, Motorhead, Yes, Ramones, além de festas e eventos históricos. A Rock Press convidou Carlos Lopes da Dorsal Atlântica para escrever sobre a volta do Canecão.
TEXTO: Carlos Lopes
ARTE: Edu Barros
FOTOS: Antonio Carlos Veras Paes e Michael Meneses
A história é feita de fatos e memórias, construções em busca da batida perfeita.
Este é um texto sobre o renascido Canecão (que significa caneca grande), antiga cervejaria carioca, depois conhecida como casa de shows, palco de tantos eventos desde 1967, localizado em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro, ao lado do extinto clube Caverna II, a casa do heavy metal na zona sul carioca em 1985, e do Shopping Rio Sul (construído em 1980 onde antes era o Solar da Fossa, pousada para artistas, poetas, escritores e jornalistas durante as décadas de 60 e 70 como Paulo Leminski, Torquato Neto, Caetano, Gal, José Wilker, Paulinho da Viola e Tom Zé). Em 1967, o cartunista Ziraldo foi convidado para pintar o mural da casa com 32 metros de comprimento por 6 metros de altura. O nome popular da obra? Santa Ceia. A arte, inspirada em Picasso, integralmente criada e pintada (com tinta lavável) pelo artista durante quatro meses e meio em plena ditadura, recebeu críticas da Igreja Católica. No mural, as pessoas não comem, apenas bebem e há uma Arca de Noé com bichinhos beberrões. Em 2015, a imprensa anunciou que o mural seria restaurado pela UFRJ como parte do projeto UFRJ Carioca, o que não ocorreu. Inclusive há um documentário sobre o mural chamado “Ziraldo – Uma obra que pede socorro”.
O primeiro show no Canecão ocorreu em 1969 com a cantora Maysa (alguém lembra?), figura poderosa da música e sociedade brasileiras, quando a música brasileira ainda não era chamada de MPB (quem quiser conhecer mais essa figura mítica recomendo o vídeo do canal Sociocrônica).
O Canecão também havia sido palco, a partir de 12 de julho de 1970, do “Baile da Pesada”, que todos os jovens poderiam frequentar para ouvir James Brown. Mas o foco era, ou se voltou, para as comunidades black das favelas/comunidades da zona sul (que os militares também consideravam subversivas). Os pilotos desse baile foram figuras seminais na cultura nacional como o radialista Big Boy (1943 – 1977) e Ademir Lemos (1946 – 1998) – que poucos sabem, ter sido o produtor do primeiro LP “Não Fale Com Paredes”, da banda Módulo 1000, em 1971.
Na revista Pop dos anos 1970, li sobre a primeira banda de rock pesado estrangeira que aportou no Canecão: Alice Cooper, em 1974 (por 150 cruzeiros a mesa por pessoa). Também lembro de ter visto na TV preto e branca Alice jogando latinhas de cerveja no chão enquanto jogava golf no Gávea Golf Club, uma cena deslocada da ditadura.
Minha mãe ia ao Canecão assistir ao Roberto Carlos nos anos 1970 e eu testemunhei os Novos Baianos, Terço, Iggy Pop, New Model Army, Uriah Heep, Black Sabbath entre outros tantos.
E tristemente famosa tornou-se a apresentação dos Ramones em 1992 (cartaz ao lado), quando um grupo de skinheads jogou morteiros ou bombas de fumaça no palco, interrompendo a apresentação (esse ataque pode ser visto no YouTube).
Mesmo após tanto sucesso, por décadas não houve mais como contornar uma querela jurídica entre os mantenedores do local de shows e a dona do terreno, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que ganhou a causa em 2010, fechando a casa, após 40 anos de brigas na justiça. Porém, antes de morrer, o empresário Mário Priolli, fundador do Canecão, doou ao Instituto Ricardo Cravo Albin todo o acervo e registros guardados.
Em julho de 2016, durante o golpe de estado para depor a Presidenta Dilma Rousseff, a casa (que estava desocupada) foi revivida durante um mês e meio pelo movimento Ocupa MinC (Ministério da Cultura) cujos integrantes haviam sido expulsos do Palácio Capanema, no centro do Rio. O Ocupa Canecão organizou shows e protestos contra o golpe até serem desalojados, em setembro do mesmo ano.
A novidade em 2023 é a junção entre duas empresas, a Bonus Track Entretenimento e o Grupo KLEFER, que ganharam o leilão pela posse administrativa do Canecão por 3 décadas. O investimento será de R$184 milhões, incluindo a construção de dois edifícios para salas de aula e refeitórios para a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A Bonus Track de Luiz Oscar Niemeyer organizou o show dos Rolling Stones na praia em Copacabana em 2006 com a KLEFER e todos os shows de Paul McCartney no Brasil, além de Nirvana, Bob Dylan, Red Hot Chilli Peppers, Beyonce, Miley Cyrus, e Rihanna. E a KLEFER de Kleber Leite atua há 4 décadas com foco em entretenimento e esporte. – Carlos Lopes.
Carlos Lopes, 60 anos, carioca com sangue pernambucano e português, guitarrista fundador da banda de metal Dorsal Atlântica; ilustrador; botafoguense contra a SAF; jornalista-radialista e ativista.
Edu Barros, é nascido e criado em Nova Iguaçu/RJ, e ao longo de seus 36 anos de idade passou por alguns nichos como a música, desenho, tatuagem e fotografia, tendo como principal inspiração a proposta do-it-yourself nas ideias com o qual segue ate hoje, do punk ao hardcore esse iguacuano curte ouvir, assistir e fotografar bandas do underground carioca. Conheça seus principais trabalhos nas páginas @Edubarrosfoto e @dubarrostattoo.
Antonio Carlos Veras Paes, é fotografo de shows undergrounds desde 1992, colaborou com o Fanzine Gnomo da Tasmânia nos anos 1990, é biólogo forense, fotografo forense, natural de São Benedito/CE e Massoterapeuta. Seu Instagram e @antoniocarlosveraspaes e seu Facebook e @antoniocarlosveraspaes.
Respostas de 3
Excelente matéria sobre a história do canecão e do porquê do fechamento.
Adorei a matéria. Tenho muitas recordações boas do Canecão e quero muito estar presente nesse retorno.
ótima matéria. Que volte com força.